Oposição cabo-verdiana pede envio ao Ministério Público das contas do Estado
Praia, Cabo Verde (PANA) - O Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) defendeu segunda-feira o reencaminhamento ao Ministério Público das contas do Estado de 2018 para se apurar as irregularidades detetadas pelo Tribunal de Contas.
Em conferência de imprensa, o secretário-geral do maior partido da oposição cabo-verdiana, Julião Varela, disse que o Tribunal de Contas entregou o parecer sobre as contas de 2018 com "seis meses de atraso", já que, por lei, deveriam ser entregues no Parlamento até 31 de dezembro de 2020.
"Este parecer que, estranhamente, foi aprovado com voto vencido do próprio juiz-presidente, evidencia um conjunto de irregularidades nas contas do Estado durante o ano de 2018.
"Se é certo que o Tribunal de Contas não julga as contas do Estado, sendo esta uma competência do Parlamento, há muitas questões suscetíveis de serem analisadas para efeitos de responsabilização", realçou o dirigente partidário.
Julião Varela afirmou que, por essa razão, o PAICV vai defender que a conta seja remetida ao Ministério Público, "que pode julgar e exigir responsabilidades".
Segundo o dirigente do maior partido da oposição, as irregularidades são constatadas pelo próprio Tribunal de Contas, destacando a violação de várias disposições da Lei do Enquadramento Orçamental em vigor na altura.
A inobservância do princípio da unidade e universalidade e a cobrança de receitas não orçamentadas são, segundo Varela, algumas das infrações verificadas.
Julião Varela citou igualmente erros ou omissões com elevados montantes tanto à saída como à entrada, não prestação de contas sobre as privatizações e utilização indevida de receitas consignadas.
"Este parecer deita por terra todo o discurso do Governo em relação à suposta trajetória no sentido da redução da dívida pública", salientou.
Para Julião Varela, em 2018, o país estava "altamente endividado", com a dívida pública global a situar-se nos 131,2 por cento, o valor mais baixo conseguido pela atual governação, suportada pelo Movimento para a Democracia (MpD).
O secretário-geral do PACIV apontou ainda elevadas dívidas ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e uma "situação muito preocupante", em que a dívida de toda da Administração Pública, direta e indireta, atinge o montante de 8,9 biliões de escudos (81 milhões de euros).
O maior partido da oposição cabo-verdiana dá conta ainda de "intransparência" na gestão dos recursos em alguns ministérios e na Câmara Municipal da Praia.
"A Conta Geral do Estado relativa ao ano de 2018 não se encontra devidamente instruída e sem alguns mapas exigidos à luz da Lei n.º 78/V/98, de 7 de dezembro, Lei de Enquadramento Orçamental", prosseguiu o representante partidário, que apontou outras irregularidades.
Como exemplo de intransparência na gestão dos recursos, ele referiu o facto de terem sido identificadas no Ministério das Infraestruturas, Ordenamento e Território (MIOTH) "situações em que o valor executado em alguns contratos é superior ao valor contratualizado".
Para o Tribunal de Contas, essas situações configuram-se como "pagamentos indevidos".
Varela referiu ainda o facto de o Ministério da Administração Interna (MAI) ter apresentado um contrato celebrado em 5 de dezembro de 2018 para a aquisição de seis viaturas no valor de 13,980 milhões de escudos cabo-verdianos, sem o obrigatório visto daquele Tribunal.
“Na Câmara da Praia, foram identificados, em 2018, oito contratos executados sem submissão ao visto do Tribunal de contas, no valor global de 431.922.711 escudos.
"Foram ainda identificados mais três contratos de financiamento no valor de 150 milhões de escudos também sem vistos além de pagamentos indevidos resultantes das chamadas obras a mais em alguns contratos”, acusou.
Durante a sua conferência, Julião Varela afirmou ainda que há inobservância do princípio da unicidade de caixa, permanecendo fora do sistema de bancarização a Assembleia Nacional, a Presidência da República e o Sistema de Informatização da Justiça, entre outras instituições.
De acordo com Varela, o Cofre Geral de Justiça, a Universidade de Cabo Verde e as Embaixadas também fazem parte das instituições não bancarizadas, havendo ainda o incumprimento da Lei do Orçamento do Estado pela não comunicação à Assembleia Nacional das alterações orçamentais ocorridas no orçamento.
“Por outro lado, notou-se que a rubrica 'Outras Operações' continua a registar avultados movimentos de entradas (1.946.698.527 escudos) e saídas (2.878.296.519 escudos), sabendo que se trata de uma rubrica residual.
Esses movimentos continuam sendo feitos fora do perímetro orçamental”, delatou.
O secretário-geral do PAICV mencionou ainda pagamentos efetuados no montante de 2.188.805.599 escudos fora do Tesouro e sem informações sobre por que meios foram feitos.
No seu entender, a Comissão de Finanças e Orçamento, que é presidida pelo PAICV, deve chamar o vice-primeiro-ministro para explicar as situações evidenciadas nessa conta.
-0- PANA 24ago2021