PANAPRESS
Agência Panafricana de Notícias
Mulheres marcham em Luanda para protestar contra proibição do aborto em Angola
Luanda, Angola (PANA) - Várias dezenas de manifestantes, maioritariamente mulheres, saíram sábado às ruas da capital angolana, Luanda, para protestar contra a intenção dos deputados angolanos de criminalizar o aborto no país, sem nenhuma exceção.
Numa iniciativa da plataforma "Ondjango Feminista", a marcha partiu perto do popular Mercado dos Congolenses e terminou no célebre Largo das Heroínas, num percurso de cerca de quatro quilómetros e em quase três horas.
As manifestantes a exibiam cartazes com dizeres como "não ao aborto clandestino", "criminalizar mata", "a prisão não resolve nada".
"Mulheres unidas jamais serão vencidas”, “voto ao aborto legal e seguro”, “liberdade para as mulheres”, “aborto não deve ser criminalizado” e “criminalizar o aborto é matar a mulher” eram outras palavras de ordem ouvidas durante a marcha que decorreu sem incidentes.
As organizadoras consideram o aborto um problema de saúde pública e de justiça social, e que a sua criminalização nada vai resolver mas antes incentivar a sua prática clandestina que "constitui a terceira maior causa das mortes em Angola, depois da malária e dos acidentes de viação".
Segundo Cisaltina Cutaia, uma das porta-vozes da organização, não é aceitável que sejam adotadas políticas penais para a resolução de problemas "que devem ser resolvidos com
políticas públicas".
"As políticas públicas é que são as mais capazes para resolver problemas como este, o problema do aborto, que é um problema de saúde pública e também um problema de justiça social. Não é criminalizando a sua prática que se vai resolver o facto de que o aborto constitui a terceira maior causa de morte", frisou.
Cutaia manifestou satisfação pela adesão que teve o ato, com as manifestantes a exigirem a despenalização total do aborto, apesar das críticas de que foram alvo na convocação da marcha por setores conservadores da sociedade angolana.
"Confesso que em alguns momentos tivemos medo e achamos que o conservadorismo prevalecesse, mas estamos muito satisfeitas com o número que conseguimos juntar aqui. Achamos que é uma expressão do que é que a sociedade pensa, particularmente as mulheres", desabafou.
A marcha que decorreu lentamente e protegida por um grande número de polícias foi convocada em resposta ao anúncio, na semana passada, de que os deputados angolanos se preparavam para aprovar um novo Código Penal que proíbe o aborto de forma absoluta.
A aprovação final deste novo documento que deve substituir o atual Código Penal herdado do colonialismo português, e em vigor no país desde 1886, estava inicialmente agendada para 23 de março corrente, mas a forte pressão popular e a polémica suscitada pela norma criminalizadora do aborto forçaram o partido no poder a pedir o seu adiamento.
Mas para as organizadoras da marcha, apesar do adiamento da aprovação da proposta do Código Penal, as mulheres vão continuar os seus esforços para que "o assunto não caia no esquecimento".
"Nós pretendemos que este assunto não caia no esquecimento, para que esta lei, que penaliza o aborto, não seja aprovada de forma clandestina, ou seja, queremos continuar a fazer mais barulho", disse por seu turno Mónica Almeida, uma das ativistas da Ondjango Feminista, movimento autónomo que se ocupa das questões da mulher numa perspetiva de justiça.
Mónica Almeida disse que a sua organização quer atingir mais pessoas, para que elas estejam atentas, "para que não haja aprovação de uma lei que a maioria não aprova".
Ela confirmou que as mulheres presentes na marcha pediram a despenalização total do aborto, salientando que "não bastam as exceções" para os casos de violações, risco de vida da mulher, má formação do feto, "porque vai continuar a haver abortos clandestinos".
“Achamos que a despenalização total pode acabar com os abortos clandestinos, que têm sido a causa de muitas mortes”, defendeu Mónica Almeida, que reiterou a promessa da sua organização de continuar a luta "por uma solução consensual sobre a questão", apesar da proposta de adiamento da aprovação final do polémico diploma no Parlamento.
Na quinta-feira passada, o partido no poder, o MPLA do Presidente José Eduardo dos Santos, anunciou ter proposto o adiamento "sine die" da aprovação final do novo Código Penal.
De acordo com o deputado Virgílio de Fontes Pereira, a direção do MPLA orientou a retirada desta questão da agenda da próxima sessão plenária da Assembleia Nacional (AN, Parlamento) para alargar e aprofundar a sua discussão a nível da sociedade angolana.
Líder do Grupo Parlamentar do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), Pereira disse que o seu partido tem dados que justificam um alargamento da discussão sobre o documento que ainda exige uma melhor abordagem e maior ponderação, "apesar de todo o esforço anterior em levar à consulta pública a proposta do novo Código Penal".
Fontes Pereira falava no mesmo dia em que líderes de várias associações femininas do país foram recebidas pelo Grupo de Mulheres Parlamentares para analisar a polémica em torno da proibição do aborto de forma absoluta, na versão final da proposta de novo Código Penal, contrariamente à versão inicial que contemplava algumas exceções.
As associações femininas representadas no encontro e muitas outras personalidades da classe condenam esta nova versão do documento e defendem, no mínimo, a manutenção das exceções iniciais, que determinam as situações em que o aborto seria autorizado.
Estas exceções, apresentadas como causas de exclusão de ilicitude, incluem as situações em que esteja em jogo a vida da mãe ou a sua integridade física ou ainda a inviabilidade do feto.
No final do encontro, a presidente do Grupo de Mulheres Parlamentares, Cândida Celeste, disse que as contribuições das associações femininas foram todas acolhidas e vão ser remetidas a quem de direito para o devido tratamento.
De uma forma geral, as associações femininas do país e várias personalidades individuais da classe consideram que a proibição total do aborto constitui uma "violação grosseira" das garantias e postulados constantes do Protocolo sobre Género e Desenvolvimento da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), relativamente aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, e do qual Angola é signatária.
Por isso, a ser aprovada tal como ela se apresenta na sua versão final, a nova lei seria, no seu entender, uma "humilhação" para as mulheres e “um retrocesso” de 200 anos nas conquistas já alcançadas em termos de direitos e garantias das mulheres.
Daí a convocação da "Marcha das Mulheres" que partiu de um desafio lançado à mulher angolana em geral pela advogada e docente universitária Ana Paula Godinho, que foi a primeira individualidade feminina do país a manifestar publicamente a sua indignação contra o afastamento das exceções inicialmente propostas na criminalização do aborto.
Num breve comentário postado na sua conta Facebook, a jurista mobilizou a sociedade angolana através das redes sociais com um apelo dirigido particularmente às mulheres com assento de deputada para "olharem com olhos de ver o que foi aprovado", e encorajou as mulheres a sair à rua para protestar contra o que chamou de "dupla violação da mulher".
"Se uma mulher for violada e ficar grávida é obrigada a ter o filho, ou se interromper a gravidez arrisca-se a, no mínimo, ser condenada a cinco anos de prisão. Afinal é violada duas vezes: primeiro pelo violador e depois pela lei", escreveu Godinho, também membro da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito encarregada de reformar toda a legislação nacional.
-0- PANA IZ 18março2017
Numa iniciativa da plataforma "Ondjango Feminista", a marcha partiu perto do popular Mercado dos Congolenses e terminou no célebre Largo das Heroínas, num percurso de cerca de quatro quilómetros e em quase três horas.
As manifestantes a exibiam cartazes com dizeres como "não ao aborto clandestino", "criminalizar mata", "a prisão não resolve nada".
"Mulheres unidas jamais serão vencidas”, “voto ao aborto legal e seguro”, “liberdade para as mulheres”, “aborto não deve ser criminalizado” e “criminalizar o aborto é matar a mulher” eram outras palavras de ordem ouvidas durante a marcha que decorreu sem incidentes.
As organizadoras consideram o aborto um problema de saúde pública e de justiça social, e que a sua criminalização nada vai resolver mas antes incentivar a sua prática clandestina que "constitui a terceira maior causa das mortes em Angola, depois da malária e dos acidentes de viação".
Segundo Cisaltina Cutaia, uma das porta-vozes da organização, não é aceitável que sejam adotadas políticas penais para a resolução de problemas "que devem ser resolvidos com
políticas públicas".
"As políticas públicas é que são as mais capazes para resolver problemas como este, o problema do aborto, que é um problema de saúde pública e também um problema de justiça social. Não é criminalizando a sua prática que se vai resolver o facto de que o aborto constitui a terceira maior causa de morte", frisou.
Cutaia manifestou satisfação pela adesão que teve o ato, com as manifestantes a exigirem a despenalização total do aborto, apesar das críticas de que foram alvo na convocação da marcha por setores conservadores da sociedade angolana.
"Confesso que em alguns momentos tivemos medo e achamos que o conservadorismo prevalecesse, mas estamos muito satisfeitas com o número que conseguimos juntar aqui. Achamos que é uma expressão do que é que a sociedade pensa, particularmente as mulheres", desabafou.
A marcha que decorreu lentamente e protegida por um grande número de polícias foi convocada em resposta ao anúncio, na semana passada, de que os deputados angolanos se preparavam para aprovar um novo Código Penal que proíbe o aborto de forma absoluta.
A aprovação final deste novo documento que deve substituir o atual Código Penal herdado do colonialismo português, e em vigor no país desde 1886, estava inicialmente agendada para 23 de março corrente, mas a forte pressão popular e a polémica suscitada pela norma criminalizadora do aborto forçaram o partido no poder a pedir o seu adiamento.
Mas para as organizadoras da marcha, apesar do adiamento da aprovação da proposta do Código Penal, as mulheres vão continuar os seus esforços para que "o assunto não caia no esquecimento".
"Nós pretendemos que este assunto não caia no esquecimento, para que esta lei, que penaliza o aborto, não seja aprovada de forma clandestina, ou seja, queremos continuar a fazer mais barulho", disse por seu turno Mónica Almeida, uma das ativistas da Ondjango Feminista, movimento autónomo que se ocupa das questões da mulher numa perspetiva de justiça.
Mónica Almeida disse que a sua organização quer atingir mais pessoas, para que elas estejam atentas, "para que não haja aprovação de uma lei que a maioria não aprova".
Ela confirmou que as mulheres presentes na marcha pediram a despenalização total do aborto, salientando que "não bastam as exceções" para os casos de violações, risco de vida da mulher, má formação do feto, "porque vai continuar a haver abortos clandestinos".
“Achamos que a despenalização total pode acabar com os abortos clandestinos, que têm sido a causa de muitas mortes”, defendeu Mónica Almeida, que reiterou a promessa da sua organização de continuar a luta "por uma solução consensual sobre a questão", apesar da proposta de adiamento da aprovação final do polémico diploma no Parlamento.
Na quinta-feira passada, o partido no poder, o MPLA do Presidente José Eduardo dos Santos, anunciou ter proposto o adiamento "sine die" da aprovação final do novo Código Penal.
De acordo com o deputado Virgílio de Fontes Pereira, a direção do MPLA orientou a retirada desta questão da agenda da próxima sessão plenária da Assembleia Nacional (AN, Parlamento) para alargar e aprofundar a sua discussão a nível da sociedade angolana.
Líder do Grupo Parlamentar do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), Pereira disse que o seu partido tem dados que justificam um alargamento da discussão sobre o documento que ainda exige uma melhor abordagem e maior ponderação, "apesar de todo o esforço anterior em levar à consulta pública a proposta do novo Código Penal".
Fontes Pereira falava no mesmo dia em que líderes de várias associações femininas do país foram recebidas pelo Grupo de Mulheres Parlamentares para analisar a polémica em torno da proibição do aborto de forma absoluta, na versão final da proposta de novo Código Penal, contrariamente à versão inicial que contemplava algumas exceções.
As associações femininas representadas no encontro e muitas outras personalidades da classe condenam esta nova versão do documento e defendem, no mínimo, a manutenção das exceções iniciais, que determinam as situações em que o aborto seria autorizado.
Estas exceções, apresentadas como causas de exclusão de ilicitude, incluem as situações em que esteja em jogo a vida da mãe ou a sua integridade física ou ainda a inviabilidade do feto.
No final do encontro, a presidente do Grupo de Mulheres Parlamentares, Cândida Celeste, disse que as contribuições das associações femininas foram todas acolhidas e vão ser remetidas a quem de direito para o devido tratamento.
De uma forma geral, as associações femininas do país e várias personalidades individuais da classe consideram que a proibição total do aborto constitui uma "violação grosseira" das garantias e postulados constantes do Protocolo sobre Género e Desenvolvimento da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), relativamente aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, e do qual Angola é signatária.
Por isso, a ser aprovada tal como ela se apresenta na sua versão final, a nova lei seria, no seu entender, uma "humilhação" para as mulheres e “um retrocesso” de 200 anos nas conquistas já alcançadas em termos de direitos e garantias das mulheres.
Daí a convocação da "Marcha das Mulheres" que partiu de um desafio lançado à mulher angolana em geral pela advogada e docente universitária Ana Paula Godinho, que foi a primeira individualidade feminina do país a manifestar publicamente a sua indignação contra o afastamento das exceções inicialmente propostas na criminalização do aborto.
Num breve comentário postado na sua conta Facebook, a jurista mobilizou a sociedade angolana através das redes sociais com um apelo dirigido particularmente às mulheres com assento de deputada para "olharem com olhos de ver o que foi aprovado", e encorajou as mulheres a sair à rua para protestar contra o que chamou de "dupla violação da mulher".
"Se uma mulher for violada e ficar grávida é obrigada a ter o filho, ou se interromper a gravidez arrisca-se a, no mínimo, ser condenada a cinco anos de prisão. Afinal é violada duas vezes: primeiro pelo violador e depois pela lei", escreveu Godinho, também membro da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito encarregada de reformar toda a legislação nacional.
-0- PANA IZ 18março2017