Morreu decano dos advogados cabo-verdianos
Praia, Cabo Verde (PANA) – O decano dos advogados cabo-verdianos, Felisberto Vieira Lopes, faleceu sexta-feira aos 82 anos, na Cidade da Praia, na sequência de complicações resultantes de uma queda na sua residência na capital cabo-verdiana.
Em declarações à agencia cabo-verdiana de notícias (Inforpress), o também advogado amigo pessoal do falecido, Emílio Xavier, revelou que Vieira Lopes esteve recentemente internado alguns dias no Hospital Agostinho Neto, tendo, inclusive, recebido alta hospitalar.
“Voltou à casa, mas houve complicações, tendo regressado ao hospital, onde faleceu por volta das 18:00 de hoje”, contou a mesma fonte.
Natural de Santa Catarina, onde nasceu em 1937, Vieira Lopes era seguramente um dos mais antigos advogados cabo-verdianos em atividade nesta profissão que começou a exercer ainda antes da Independência de Cabo Verde, em julho de 1975.
Durante o período colonial, ele notabilizou-se como defensor de vários presos políticos cabo-verdianos e angolanos, detidos pela tristemente célebre Polícia Politica portuguesa, a PIDE/DGS, acusados de ligação aos movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas.
Com a Independência de Cabo Verde, Vieira Lopes cedo se demarcou do PAIGC, partido que assumiu o poder no arquipélago, ao dar a primeira crítica pública à Lei do Ordenamento Político do Estado (LOPE), pondo em causa a legitimidade do regime de partido único de então.
Vieira Lopes acabaria por exilar-se, em Portugal, onde viveu e trabalhou muitos anos, antes de regressar a Cabo Verde, após a implantação da democracia pluralista, em 1991.
Nesse período, ele esteve envolvido na criação da Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV), mas acabou, igualmente, por se incompatibilizar com a direção desse organismo representativo da classe.
O deficiente funcionamento da Justiça, em Cabo Verde, foi também motivo de vários posicionamentos públicos deste causídico.
Nas duas últimas duas décadas, o advogado Vieira Lopes esteve na ribalta pela luta que encetou contra aquilo que ele chamou a "Máfia dos Terrenos da Praia".
Trata-se de um longo processo judicial que culminou com a dedução, em março último, da acusação por parte do Ministério Publico (MP) de 15 arguidos, com destaque para figuras públicas como o ex-bastonário da OACV, Arnaldo Silva, e o vereador da Câmara Municipal da Praia, Rafael Fernandes.
Integra ainda a lista o empresário Alfredo Carvalho e a empresa deste, Tecnicil, todos eles acusados de burla qualificada, lavagem de capital, associação criminosa, falsificação de documentos e corrupção ativa.
O MP, que pediu julgamento dos acusados perante Tribunal Colectivo, sugere inclusive a prisão preventiva de Arnaldo Silva e o termo de identidade e residência (TIR) para os demais réus e confiscação dos seus bens, por haver provas de que lesaram os legítimos donos dos terrenos e o Estado de Cabo Verde em mais de dois biliões de escudos cabo-verdianos (mais de 181 milhões de euros).
Licenciado em Direito, em Lisboa, Portugal, Felisberto Vieira Lopes era também poeta que se notabilizou com o pseudónimo de Kauberdiano Dambará, autor de várias obras denunciando o regime colonial português.
O jornal online “Santiago Magazine”, onde Vieira Lopes vinha publicando os seus mais recentes escritos, cita o blog barrosbrito.com (que costuma fazer a árvore genealógica de várias famílias em Cabo Verde), para dar a conhecer o percurso literário de Vieira Lopes.
Kauberdiano Dambará colaborou no Boletim dos alunos do Liceu Gil Eanes e no Novo Jornal de Cabo Verde e, depois da Independência de Cabo Verde, escreveu na revista Raízes, e outras tantas publicações.
Do seus percurso literário constam obras publicadas em várias antologias, nomeadamente em Literatura africana de expressão portuguesa, (vol. l, poesia) Argel (1967); na Antologia temática da poesia africana l e 2, Lisboa (1976, 1979) e em Contravento - Antologia bilingue de poesia cabo-verdiana, Taunton, Massachusetts (1982).
-0- PANA CS/IZ 04abril2020