Isabel dos Santos usa banco em Cabo Verde para evitar maior escrutínio a nível internacional, diz ICIJ
Praia, Cabo Verde (PANA) - Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, serviu-se da sua posição de acionista maioritária no banco BIC Cabo Verde para escapar ao maior escrutínio a que estava sujeita ao nível internacional, apurou a PANA, de fonte segura.
Segundo o ICIJ, a empresaria angolana ter-se-á alegadamente servido do Banco BIC Cabo Verde para direcionar milhões de dólares em pagamentos de empreiteiros chineses e europeus que trabalham em projetos de construção em Angola.
“Os pagamentos foram feitos por esta última, aproveitando-se do ambiente regulatório mais leve de Cabo Verde e foram ordenados numa altura em que o escrutínio às suas atividades era cada vez maior no sistema bancário internacional”, escreveu o Consórcio de Jornalistas de Investigação (ICIJ, sigla em inglês), que divulgou os Luanda Leaks, provas contra a mesma.
Isabel dos Santos comprou o banco em 2013. Nesse mesmo ano, os reguladores de Cabo Verde, aparentemente, renunciaram às regras de propriedade e concederam uma licença bancária”, indicou o Finance Uncovered, um dos parceiros do ICIJ.
Ela era, na altura, vista como uma "pessoa politicamente exposta (PEP), uma terminologia usada pelas instituições de combate à lavagem de capitais, de acordo com a fonte.
"Uma PEP, que possui um banco numa jurisdição pouco regulamentada como Cabo Verde, representa a combinação perfeita para um risco potencial de facilitar a lavagem de dinheiro", diz Tom Keatinge, diretor do Centro para Crimes financeiros e Estudos de Segurança no Instituto de Real de Estudos Unidos.
"Um ator fraco como Cabo Verde, oferecendo serviços bancários internacionais, representa uma vulnerabilidade sistémica para o sistema financeiro global", alertou Keatinge.
Quinta-feira, na cidade da Praia, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, confirmou que o Banco BIC Cabo Verde beneficiou duma autorização excecional, que, entretanto, foi suspensa em 2018 com a aprovação da lei que acabou com os bancos de licença restrita.
Em declarações à imprensa local, Olavo Correia explicou que, na altura da abertura desse banco, em 2013, a lei dizia que para ter licença restrita em Cabo Verde, o banco teria que ter na estrutura acionista pelo menos 15 por cento de uma instituição sedeada num país da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), e que, em casos excecionais, analisando o interesse nacional, o ministro podia autorizar.
“Aquilo que foi feito na altura pela ex-ministra das Financias, Cristina Duarte, foi uma autorização excecional no quadro do interesse público, que o então Governo dizia que havia. Eu não posso, neste momento, dizer se havia interesse público ou não porque temos de pulsar os documentos todos, mas a lei previa uma autorização excecional e foi dada essa autorização excepcional”, disse.
Entretanto, adiantou que, desde 2018, por proposta do ministério das Finanças, o atual Governo decidiu acabar com os bancos de licença restrita, tendo em conta o elevado risco reputacional.
“Analisando o custo/benefício, entendemos que não faz sentido e nós decidimos descontinuar, mas claro que tínhamos de dar um prazo de mais um ano, até ao final de 2020, para que os bancos que estão no regime de licença restrita possam pedir a autorização para serem bancos de licença genérica”, indicou.
“Portanto, mudamos a lei e todos os bancos têm de estar no sistema normal com a supervisão, a regulação, o quadro jurídico altamente apertado e o licenciamento feito pelo Banco Central. Portanto, é isto que está a ocorrer desde 2018, muito antes desses acontecimentos”, disse o governante, reagindo às notícias do caso “Luanda Leaks” que apontam Cabo Verde como sendo “um paraíso fiscal.”
Olavo Correia adiantou que o Banco de Cabo Verde (BCV), que tem essa função de licenciar, regular e supervisionar está a atuar, antes dos casos atualmente divulgados, com aplicações de vários contraordenações.
Ele indicou que, com base nesses novos elementos, é obrigação das entidades competentes, neste caso o Banco Central, reanalisarem os processos todos e, caso haja qualquer indício de crime, atuar, devendo as autoridades políticas também atuar.
“Portanto, o Governo aqui pede ao Banco Central para que seja rigoroso e exigente. Reanalisar os processos e, caso haja algum indício de crime, atuar”, disse.
Questionado se essa alteração da lei em 2018 foi motivada por alguma desconfiança, Olavo Correia explicou que a mesma se deveu a uma análise do sistema financeiro ao nível nacional e internacional.
“Nós, quando fixamos um regime excecional, é para termos contrapartidas para o Estado de Cabo Verde, para os jovens cabo-verdianos e para que haja impactos fortes. Mas, na verdade, temos apenas quatro bancos e esses bancos criam algum emprego, mas quando analisamos custo/benefício, pensamos que não faz sentido a sua manutenção”, precisou.
Olavo Correia realçou que atualmente o Governo está “tranquilo” do ponto de vista legal, e garantiu que qualquer banco que queira operar em Cabo Verde tem de ter licença genérica e com autorização concedida pelo Banco Central nos termos de uma lei moderna aprovada em 2014 e que exige “um quadro muito apertado”.
Neste momento, salientou que o BCV deverá atuar para confirmar a veracidade das informações que constam dos documentos publicados recentemente pelo consórcio de jornalista e atuar em caso de necessidade.
Por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, Luís Filipe Tavares, garantiu, quinta-feira, que o país está disponível para dar todas as informações às autoridades angolanas no âmbito das investigações à empresária Isabel dos Santos.
"Vamos continuar a acompanhar esta situação com toda a tranquilidade. Cabo Verde é um Estado de direito democrático, funciona no respeito pelas leis, estaremos disponíveis para dar todas as informações às autoridades angolanas que estão a fazer investigação", garantiu o ministro, em conferência de imprensa na capital cabo-verdiana, para falar sobre as decisões do Conselho de Ministros.
Luís Filipe Tavares afirmou aos jornalistas que Cabo Verde é um Estado-membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e um amigo de Angola, e assim vai continuar a ser.
"Em relação a este caso, e, em todos os outros casos, Cabo Verde deve colaborar sempre. Nós temos um acordo de justiça no âmbito da CPLP. Cabo Verde colaborará sempre com as autoridades dos Estados-membros quando pedirem informações sobre o nosso país. Qualquer que seja o país, faremos isso com toda a tranquilidade", prosseguiu.
O chefe da diplomacia cabo-verdiana disse que Angola ainda não pediu qualquer informação, mas garantiu que o país está sempre disponível a colaborar com a justiça.
"É um Estado de direito democrático, temos de funcionar no quadro das leis e da nossa própria Constituição", acrescentou Luís Filipe Tavares.
-0- PANA CS/DD 24jan2020