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Agência Panafricana de Notícias
Futuro da Zona do Franco: Como sair da armadilha do franco CFA (?)
Bamako, Mali (PANA) - Nos tempos que correm, os países africanos têm sido objeto de galanteios. São hoje considerados como os pontas-de-lança da economia mundial. Sete das 10 economias cujo crescimento será o mais forte no mundo nos próximos cinco anos encontram-se em África: Etiópia (8,1 porcento), Moçambique (7,7 porcento), Tanzânia (7,2 porcento), Congo (7,0 porcento), Gana (7,0 porcento), Zâmbia (6,9 porcento) e Nigéria (6,8 porcento), revela a revista The Economist.
Vários fatores contribuíram para a boa saúde económica desses países. Décadas de austeridade sob a férula de diversos programas de reajuste estrutural das instituições de Bretton Woods levaram ao saneamento das finanças públicas e ao estabelecimento de um ambiente propício aos investimentos.
Na era da globalização, os países de rápida industrialização denominados «emergentes» tais como a China, a Índia, a Coreia, a Malásia, a Turquia ou o Brasil não precisaram de serem chamados para investir maciçamente na região.
Outros fatores que reforçaram a dinâmica de crescimento de vários países da África Subsariana estão ligados ao aumento das transferências dos migrantes (cujo volume já ultrapassa os montantes da Ajuda Pública de Desenvolvimento (APD); ao surgimento de uma classe média constituída pelos que gastam entre 2 e 20 dólares americanos diários e cujo número ascende aos 313 milhões, segundo um relatório do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD); bem como às práticas de melhor governação.
Estes desenvolvimentos incentivaram os investidores norte-americanos e europeus a rever as suas estratégias em África para uma redefinição dos termos das suas trocas com os países da região, com um interesse renovado pelos mercados em expansão do continente.
Durante a Cimeira Europa-África que decorreu em Bruxelas, no início de abril de 2014, discutiu-se sobre a questão da redefinição de um novo quadro de cooperação. Em agosto de 2014, Barack Obama acolheu os chefes de Estado africanos numa cimeira inédita: Estados Unidos - África.
Os países da Zona do Franco, que partilham uma moeda comum, o franco CFA, são os esquecidos da revitalização económica que surge em África. As taxas de crescimento regional, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), fixaram-se em média em 5,5 porcento na União Económica e Monetária Oeste-Africana (UEMOA) que integra oito países (Benin, Burkina Faso, Côte-d’Ivoire, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal, Togo). Se as populações nela aumentam em média 3 porcento, também a progressão do seu Produto Interno Bruto (PIB) por cabeça fixa-se em apenas 2,5 porcento.
Para a Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC), as taxas de crescimento médias do PIB e da população, neste espaço, fixam-se respetivamente em 4,6 e 2,8 porcento com um aumento do PIB por habitante de 1,8 porcento.
Daí resulta que os programas de desenvolvimento dos países da Zona do Franco se limitam, em alguns países, a programas de luta contra a pobreza com a ajuda do Programa Alimentar Mundial (PAM) para alimentar uma parte das suas populações. É o caso, por exemplo, do Senegal, do Níger, do Mali, do Burkina Faso, do Tchad e dos Camarões.
As razões deste fosso são duplas. A primeira razão concerne às escolhas erradas que sustentam a política monetária de dois bancos centrais da Zona do Franco, designadamente o Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) e o Banco dos Estados da África Central (BEAC). A segunda razão é relativa à ausência de progresso no processo de integração económica na UEMOA e na CEMAC.
As escolhas erradas dos bancos centrais em matéria de política monetária incidem, por um lado, sobre a sua estratégia de luta contra a inflação, e, por outro, sobre a taxa de câmbio, a convertibilidade e a livre transferência do franco CFA.
Em matéria de estratégia de luta contra a inflação, o BCEAO e o BEAC recorreram sistematicamente à instauração de taxas de juro diretoras altas para obter e assegurar a estabilidade dos preços na UEMOA e na CEMAC. Esta política restritiva de crédito resulta de uma avaliação errada das verdadeiras causas do aumento dos preços nos países da Zona do Franco.
Os dois bancos centrais associam-nos ao excesso de ofertas de moeda, o que é falso, pois, o aumento dos preços tem uma origem mais exógena do que endógena. Existem, evidentemente, pressões inflacionistas devido a fatores internos tais como a insuficiência e a instabilidade da oferta agrícola. Todavia, a inflação neste caso é essencialmente de origem importada, pois ligada ao aumento de custos do petróleo e de produtos alimentares. O preço alto do aluguel do dinheiro na Zona não pode de maneira alguma mudar estes parâmetros.
Para solucionar a insuficiência e a instabilidade da oferta agrícola, teria sido mais lógico promover políticas de acesso fácil a créditos a baixo custo aos produtores para estimular o aumento da produção alimentar que teria conduzido à baixa e à estabilização dos preços de produtos alimentares.
O enclausuramento dos bancos centrais da Zona do Franco nesta lógica anti-inflacionista desviou-os do outro aspeto importante da sua missão que consiste na promoção do crescimento económico dos seus países-membros.
Segundo o economista Kako Nubukpo («Politique monétaire et servitude volontaire: la gestion du franc CFA par la BCEAO» 2007 (Política monetária e servidão voluntária: Gestão do franco CFA pelo BCEAO)), ao abusar das elevadas taxas diretoras como instrumento de regulação monetária, exacerbaram deliberadamente as dificuldades de acesso ao crédito dos Governos e dos agentes económicos, para financiar as suas atividades.
Eles restringiram mais ainda a margem de manobra dos Estados, ao pôr termo aos empréstimos que lhes concediam até 20 porcento das receitas fiscais do ano anterior, tornando-os ainda mais dependentes das ajudas orçamentais francesas e dos empréstimos dos bancos comerciais, principalmente o “Société Générale” e o “Banque Internationale pour le Commerce et l’Industrie” (Banco Internacional para o Comércio e a Indústria), filial do BNP-Paribas.
Apenas as empresas francesas podem prosperar num tal ambiente, graças à situação monopolística de que gozam nos setores-chaves da economia, às subvenções de França, às garantias da Coface, às generosidades dos bancos comerciais e dos bancos centrais em matéria de desconto e de redesconto, bem como ao gozo de um mercado protegido.
Depositários de uma grande parte da poupança nacional e dos fluxos financeiros, santuários especulativos induzidos pela liberalização das políticas de câmbio e em situação de excesso de liquidez permanente, os bancos comerciais franceses acumulam os lucros ao conceder aos Estados créditos a curto prazo de 5 a 6 porcento que concedem aos Governos da Zona do Franco para financiar as suas importações de petróleo, de produtos alimentares, de bens de equipamento, entre outros.
Quanto aos juros dos empréstimos concedidos aos locais (empresas e indivíduos), podem fixar-se até 18 porcento. Pode-se, nestas condições, estranhar a baixa bancarização que caracteriza os países da Zona do franco e a sua desindustrialização?
Esta política de juros elevados contraria singularmente a dos outros bancos centrais do resto do mundo. Confrontados com o abrandamento das atividades económicas e as ameaças de recessão que os efeitos da derrocada financeira de 2008 e a crise do euro fazem pesar sobre o mundo, estes recomendam políticas de redução de juros para facilitar a retoma dos negócios.
A Reserva Federal dos Estados Unidos, banco central norte-americano, tinha fixado em 1 porcento o preço do aluguel do dinheiro depois dos atentados de setembro de 2001. Ela manteve, desde então, esta política de relaxação do crédito e comprometeu-se a conservá-la até pelo menos 2015. O Banco Central Europeu, o Banco de Inglaterra e o Banco do Japão levam a cabo políticas similares. Logicamente, os bancos centrais da Zona do Franco teriam feito o mesmo.
Em matéria de política cambial, a escolha do BCEAO e do BEAC incide sobre uma taxa de câmbio do franco CFA indexada ao euro com uma paridade fixa, sobre a convertibilidade e a livre transferência de dinheiro.
Desde a sua criação em 1998, o Banco Central Europeu (BCE) pratica uma política de moeda forte para elevar as ambições do euro à busca de um estatuto de moeda de reserva internacional. Mas se os Europeus, cujas trocas intracomunitárias fixam-se em 60 porcento, podem acomodar-se com a apreciação do euro em relação ao dólar, o mesmo não sucede com os países da Zona do Franco.
As suas trocas intrarregionais limitam-se à fraca taxa de 12 porcento e permanecem dependentes das suas importações de produtos alimentares, de bens manufaturados e de produtos correntes de consumo. As suas exportações (petróleo, café, cacau, algodão, ouro, urânio, etc.) são fixadas em dólares. A apreciação do franco CFA para com o dólar extenua a competitividade das áreas de exportação destes países, aumenta os seus défices e, portanto,
as duas dívidas.
Surpreendentemente, os países da Zona do Franco devem pagar por todas estas facilidades que concedem à França, contrariando as suas reservas cambiais a favor do Tesouro francês. É ainda mais surpreendente que a França invista estas reservas que representam dezenas de biliões de dólares americanos em títulos do tesouro que ela utiliza para depois garantir os empréstimos que levanta para financiar o seu próprio défice público que se fixou, em 2013, em 4,3 porcento do seu PIB, longe do teto de 3 porcento dos critérios do pacto de estabilidade e crescimento da União Europeia (UE).
No início das independências, o depósito de divisas exigido por França para cobrir a massa monetária do franco CFA era de 100 porcento. Foi reduzido para 65 porcento em 1973, e depois limitado a 50 porcento desde o mês de setembro de 2005. As reservas cambiais dos países da Zona do Franco alcançaram um nível excessivo.
Atualmente, segundo o Banco de França, a taxa de cobertura da emissão monetária do franco CFA ultrapassa 110 porcento, enquanto ela devia ser limitada a 20 porcento em conformidade, por um lado, com as normas internacionais admitidas na matéria, e, por outro, com os acordos assinados entre França e os países da Zona do Franco (Cf Relatório 2009 da Zona do Franco divulgado pelo Banco de França em outubro de 2010).
Por outro lado, a tendência geral dos bancos centrais é evitar cumular reservas excessivas, devido às perdas que causam. Na Zona do Franco, estas perdas provêm do custo da não utilização do excesso das reservas para financiar as despesas de equipamento ou reembolsar uma parte da dívida externa e reduzir assim os pagamentos de juros, bem como do custo do diferencial de rendimento entre a remuneração de 1,5 porcento oferecida por França e a mais alta dos instrumentos em que as reservas teriam sido investidas, e do custo dos défices gerados pela apreciação da moeda.
Toda a política de reserva do BCEAO e do BEAC resume-se, de facto, a um vasto subterfúgio que alimenta um mau negócio. Uma paridade fixa garantia de um franco CFA forte protege as companhias francesas (Bouygues, Areva, Total, Bolloré, Eiffage, Orange, BNP-Paribas, Société Générale, Air France, etc.) contra as depreciações monetárias correntes. A convertibilidade e a livre transferência lhes permitem exilar os lucros e as fortunas que acumulam.
Enquanto montantes colossais de divisas ganhas graças ao trabalho das populações são assim terceirizados arbitrariamente por França no financiamento do seu desenvolvimento, os países da Zona do Franco estão confrontados com défices estruturais crónicos e com graves dificuldades de pagamentos. As suas atividades económicas baseiam-se essencialmente na produção e na exportação de produtos básicos.
Nesta etapa primária do seu desenvolvimento, a lógica seria que adotassem uma política cambial baseada na não convertibilidade e na não transferibilidade do franco CFA, e numa taxa de câmbio flutuante e vantajosa, indexada não exclusivamente ao euro, mas a uma variedade de moedas escolhidas entre as dos seus principais parceiros comerciais.
Para o efeito, eles devem decretar um regime cambial que lhes dê o controlo de todas as operações de câmbio com o exterior. Esta restrição legal assegura-lhes uma gestão rigorosa de entradas e saídas de divisas, o que permite afetá-las com prioridade ao desenvolvimento dos setores-chaves da economia.
É a política monetária seguida em África por países como a África do Sul, a Nigéria, o Quénia, a Etiópia, Angola ou o Gana, que figuram todos agora no pelotão de frente do desenvolvimento em África. É também o caso de países emergentes como a China, a Índia, a Coreia, a Malásia, a Turquia ou o Brasil.
O gigante chinês, por exemplo, ao querer afastar os riscos consideráveis do seu crescimento económico por uma saída incontrolada de divisas, não autoriza a liberalização do seu mercado cambial, e a sua moeda, o renminbi, não é livremente convertível, nem livremente transferível.
A segunda razão das disfunções que afetam a Zona do Franco resulta do fracasso das políticas de integração económica com trocas intracomunitárias estranguladas pelas taxas aduaneiras que se cobram mutuamente.
O grande paradoxo do franco CFA é ser a moeda comum de países que não partilham um mercado comum. Para corrigí-lo, a UEMOA e a CEMAC foram criadas em 1994 depois da desvalorização do franco CFA. Os critérios de convergência que definiram para harmonizar as políticas de integração económica dos seus membros foram copiados dos do Tratado Europeu de Maastricht. Eles referem-se aos níveis autorizados em matéria de inflação, de dívida e défice orçamental.
O diferencial de desenvolvimento entre os países da União Europeia e os países da Zona do Franco deveria ter estimulado a UEMOA e a CEMAC a fazerem prova de mais criatividade e pragmatismo na seleção dos seus próprios critérios de convergência. No que diz respeito ao nível do défice autorizado, por exemplo, ela deveria exigir apenas, no lugar do equilíbrio do défice orçamental básico, o equilíbrio do saldo estrutural corrente, isto é, fora do investimento público; uma condicionalidade mais adaptada às realidades da UEMOA e da CEMAC e que seria mais fácil a cumprir.
Trata-se de autorizar défices para apoiar a atividade económica e para lançar as bases do futuro crescimento, com o endividamento dos Estados exclusivamente consagrado ao financiamento dos investimentos públicos.
Em todo caso, as dificuldades com que os países da Zona do Franco estão confrontados tornam ilusório o cumprimento dos critérios decretados, e o projeto de união económica continua avariado, agravando os seus desequilíbrios estruturais.
CEDEAO: Quadro ideal das reformas da política monetária
O franco CFA, portanto, encontra-se numa encruzilhada. Foi criado em tempo de exceção em França, por decreto assinado pelo General de Gaulle, a 25 de dezembro de 1945, para racionalizar a exploração das colónias francesas de África, agrupadas, na altura, em duas federações distintas, África Ocidental e África Central.
A abolição do franco CFA impunha-se, depois de França ter desmantelado as estruturas das suas colónias, quando elas acederam à independência. Nas mesmas circunstâncias, a Grã-Bretanha aboliu a «libra esterlina da África Ocidental», a moeda comum das suas colónias da Nigéria, do Gana, da Serra Leoa e da Gâmbia, quando estes países ascenderam à independência.
Em relação à péssima situação em que se encontram os países da Zona do Franco, depois de mais de meio século de independência, chegou a hora de tomar uma decisão por uma política independente, adaptada ao ciclo das economias da UEMOA e da CEMAC.
O melhor quadro para articular estas reformas na África Ocidental é a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que integra 15 países-membros (Nigéria, Gana, Côte-d’Ivoire, Senegal, Níger, Gâmbia, Guiné, Mali, Guiné Bissau, Libéria, Serra Leoa, Benin, Togo, Cabo Verde, Burkina-Faso), em conformidade com as diretivas da União Africana (UA).
Infelizmente, percebida por França como de inclinação anglófona, a CEDEAO sempre enfrentou, desde a sua criação, a concorrência da UEMOA e da CEMAC, duas organizações criadas pelos países da Zona do Franco na esperança pouco razoável de refrear a influência britânica, norte-americana e nigeriana naquilo que é percebido como uma coutada francesa.
Não é menos verdade que a CEDEAO continua a ser o quadro ideal para levar a cabo as políticas de convergência económica e financeira, com vista à adoção de uma Pauta Externa Comum (PEC) e à realização de uma união aduaneira, que são as premissas de uma integração económica bem sucedida, seguida de uma união política dos países da região. A boutade em voga nos meios intelectuais de Lagos é que existem duas grandes potências no seio da CEDEAO: a Nigéria e França. Que sem a boa vontade de França, não haverá salvação para a CEDEAO.
A presença cada vez mais consolidada na cena africana de atores como a China, a Índia, a Coreia, a Malásia, a Turquia e o Brasil deu aos países africanos uma plataforma de exportação acrescida, bem como a criação de um novo modelo de cooperação, baseado no comércio, no investimento e na transferência de tecnologia; o que alargou as suas opções de crescimento económico e deu-lhes uma maior margem de manobra e oportunidades significativas de progredir na via do desenvolvimento. É chegada a hora de os dirigentes da Zona do Franco inscreverem-se nesta nova dinâmica.
As multinacionais francesas são as primeiras beneficiárias do engodo que representam os mecanismos de funcionamento da Zona do Franco. As segundas beneficiárias são as elites africanas. O modo de funcionamento corrupto do sistema permite-lhes enriquecer-se com impunidade, graças às importações, e apropriar-se indevidamente dos fundos públicos que exportam com muita facilidade para França, mantendo ao mesmo tempo nos seus respetivos países um nível de vida extravagante, desproporcional à realidade no terreno.
Estes beneficiários obtêm lucros substanciais em detrimento das populações africanas cuja maioria vive na pobreza abjeta. Quanto ao Estado francês, é possível perguntar-se sobre a realidade dos benefícios que tira deste sistema.
Apesar do controlo quase total (político, diplomático, militar, económico e financeiro) que França exerce sobre a sua propriedade, o seu Exército teve de intervir mais de 40 vezes em solo africano, no espaço de meio século, para garantir a segurança das suas prebendas, manter no poder os seus protegidos ou ejetá-los conforme a sua vontade.
A situação económica de antigas potências coloniais como a Alemanha e a Grã-Bretanha, que se livraram dos seus ouropéis coloniais e pagam muito caro as suas importações de África, é bem melhor do que a de França. Em 2013, um relatório do Senado francês teve como título: «África é o nosso futuro».
Chineses, Indianos, Brasileiros, Coreanos, Malaios, Turcos, entre outros, conformaram-se com esta realidade e elaboraram estratégias que contribuíram para tirar países de África fora da zona de influência francesa. Está na hora de as elites dirigentes francesas e africanas tomarem em conta esta realidade.
Por Sanou MBAYE
Colaborador externo da PANA
-0- PANA SB/SSB/CJB/IZ 2014out2014
Vários fatores contribuíram para a boa saúde económica desses países. Décadas de austeridade sob a férula de diversos programas de reajuste estrutural das instituições de Bretton Woods levaram ao saneamento das finanças públicas e ao estabelecimento de um ambiente propício aos investimentos.
Na era da globalização, os países de rápida industrialização denominados «emergentes» tais como a China, a Índia, a Coreia, a Malásia, a Turquia ou o Brasil não precisaram de serem chamados para investir maciçamente na região.
Outros fatores que reforçaram a dinâmica de crescimento de vários países da África Subsariana estão ligados ao aumento das transferências dos migrantes (cujo volume já ultrapassa os montantes da Ajuda Pública de Desenvolvimento (APD); ao surgimento de uma classe média constituída pelos que gastam entre 2 e 20 dólares americanos diários e cujo número ascende aos 313 milhões, segundo um relatório do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD); bem como às práticas de melhor governação.
Estes desenvolvimentos incentivaram os investidores norte-americanos e europeus a rever as suas estratégias em África para uma redefinição dos termos das suas trocas com os países da região, com um interesse renovado pelos mercados em expansão do continente.
Durante a Cimeira Europa-África que decorreu em Bruxelas, no início de abril de 2014, discutiu-se sobre a questão da redefinição de um novo quadro de cooperação. Em agosto de 2014, Barack Obama acolheu os chefes de Estado africanos numa cimeira inédita: Estados Unidos - África.
Os países da Zona do Franco, que partilham uma moeda comum, o franco CFA, são os esquecidos da revitalização económica que surge em África. As taxas de crescimento regional, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), fixaram-se em média em 5,5 porcento na União Económica e Monetária Oeste-Africana (UEMOA) que integra oito países (Benin, Burkina Faso, Côte-d’Ivoire, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal, Togo). Se as populações nela aumentam em média 3 porcento, também a progressão do seu Produto Interno Bruto (PIB) por cabeça fixa-se em apenas 2,5 porcento.
Para a Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC), as taxas de crescimento médias do PIB e da população, neste espaço, fixam-se respetivamente em 4,6 e 2,8 porcento com um aumento do PIB por habitante de 1,8 porcento.
Daí resulta que os programas de desenvolvimento dos países da Zona do Franco se limitam, em alguns países, a programas de luta contra a pobreza com a ajuda do Programa Alimentar Mundial (PAM) para alimentar uma parte das suas populações. É o caso, por exemplo, do Senegal, do Níger, do Mali, do Burkina Faso, do Tchad e dos Camarões.
As razões deste fosso são duplas. A primeira razão concerne às escolhas erradas que sustentam a política monetária de dois bancos centrais da Zona do Franco, designadamente o Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) e o Banco dos Estados da África Central (BEAC). A segunda razão é relativa à ausência de progresso no processo de integração económica na UEMOA e na CEMAC.
As escolhas erradas dos bancos centrais em matéria de política monetária incidem, por um lado, sobre a sua estratégia de luta contra a inflação, e, por outro, sobre a taxa de câmbio, a convertibilidade e a livre transferência do franco CFA.
Em matéria de estratégia de luta contra a inflação, o BCEAO e o BEAC recorreram sistematicamente à instauração de taxas de juro diretoras altas para obter e assegurar a estabilidade dos preços na UEMOA e na CEMAC. Esta política restritiva de crédito resulta de uma avaliação errada das verdadeiras causas do aumento dos preços nos países da Zona do Franco.
Os dois bancos centrais associam-nos ao excesso de ofertas de moeda, o que é falso, pois, o aumento dos preços tem uma origem mais exógena do que endógena. Existem, evidentemente, pressões inflacionistas devido a fatores internos tais como a insuficiência e a instabilidade da oferta agrícola. Todavia, a inflação neste caso é essencialmente de origem importada, pois ligada ao aumento de custos do petróleo e de produtos alimentares. O preço alto do aluguel do dinheiro na Zona não pode de maneira alguma mudar estes parâmetros.
Para solucionar a insuficiência e a instabilidade da oferta agrícola, teria sido mais lógico promover políticas de acesso fácil a créditos a baixo custo aos produtores para estimular o aumento da produção alimentar que teria conduzido à baixa e à estabilização dos preços de produtos alimentares.
O enclausuramento dos bancos centrais da Zona do Franco nesta lógica anti-inflacionista desviou-os do outro aspeto importante da sua missão que consiste na promoção do crescimento económico dos seus países-membros.
Segundo o economista Kako Nubukpo («Politique monétaire et servitude volontaire: la gestion du franc CFA par la BCEAO» 2007 (Política monetária e servidão voluntária: Gestão do franco CFA pelo BCEAO)), ao abusar das elevadas taxas diretoras como instrumento de regulação monetária, exacerbaram deliberadamente as dificuldades de acesso ao crédito dos Governos e dos agentes económicos, para financiar as suas atividades.
Eles restringiram mais ainda a margem de manobra dos Estados, ao pôr termo aos empréstimos que lhes concediam até 20 porcento das receitas fiscais do ano anterior, tornando-os ainda mais dependentes das ajudas orçamentais francesas e dos empréstimos dos bancos comerciais, principalmente o “Société Générale” e o “Banque Internationale pour le Commerce et l’Industrie” (Banco Internacional para o Comércio e a Indústria), filial do BNP-Paribas.
Apenas as empresas francesas podem prosperar num tal ambiente, graças à situação monopolística de que gozam nos setores-chaves da economia, às subvenções de França, às garantias da Coface, às generosidades dos bancos comerciais e dos bancos centrais em matéria de desconto e de redesconto, bem como ao gozo de um mercado protegido.
Depositários de uma grande parte da poupança nacional e dos fluxos financeiros, santuários especulativos induzidos pela liberalização das políticas de câmbio e em situação de excesso de liquidez permanente, os bancos comerciais franceses acumulam os lucros ao conceder aos Estados créditos a curto prazo de 5 a 6 porcento que concedem aos Governos da Zona do Franco para financiar as suas importações de petróleo, de produtos alimentares, de bens de equipamento, entre outros.
Quanto aos juros dos empréstimos concedidos aos locais (empresas e indivíduos), podem fixar-se até 18 porcento. Pode-se, nestas condições, estranhar a baixa bancarização que caracteriza os países da Zona do franco e a sua desindustrialização?
Esta política de juros elevados contraria singularmente a dos outros bancos centrais do resto do mundo. Confrontados com o abrandamento das atividades económicas e as ameaças de recessão que os efeitos da derrocada financeira de 2008 e a crise do euro fazem pesar sobre o mundo, estes recomendam políticas de redução de juros para facilitar a retoma dos negócios.
A Reserva Federal dos Estados Unidos, banco central norte-americano, tinha fixado em 1 porcento o preço do aluguel do dinheiro depois dos atentados de setembro de 2001. Ela manteve, desde então, esta política de relaxação do crédito e comprometeu-se a conservá-la até pelo menos 2015. O Banco Central Europeu, o Banco de Inglaterra e o Banco do Japão levam a cabo políticas similares. Logicamente, os bancos centrais da Zona do Franco teriam feito o mesmo.
Em matéria de política cambial, a escolha do BCEAO e do BEAC incide sobre uma taxa de câmbio do franco CFA indexada ao euro com uma paridade fixa, sobre a convertibilidade e a livre transferência de dinheiro.
Desde a sua criação em 1998, o Banco Central Europeu (BCE) pratica uma política de moeda forte para elevar as ambições do euro à busca de um estatuto de moeda de reserva internacional. Mas se os Europeus, cujas trocas intracomunitárias fixam-se em 60 porcento, podem acomodar-se com a apreciação do euro em relação ao dólar, o mesmo não sucede com os países da Zona do Franco.
As suas trocas intrarregionais limitam-se à fraca taxa de 12 porcento e permanecem dependentes das suas importações de produtos alimentares, de bens manufaturados e de produtos correntes de consumo. As suas exportações (petróleo, café, cacau, algodão, ouro, urânio, etc.) são fixadas em dólares. A apreciação do franco CFA para com o dólar extenua a competitividade das áreas de exportação destes países, aumenta os seus défices e, portanto,
as duas dívidas.
Surpreendentemente, os países da Zona do Franco devem pagar por todas estas facilidades que concedem à França, contrariando as suas reservas cambiais a favor do Tesouro francês. É ainda mais surpreendente que a França invista estas reservas que representam dezenas de biliões de dólares americanos em títulos do tesouro que ela utiliza para depois garantir os empréstimos que levanta para financiar o seu próprio défice público que se fixou, em 2013, em 4,3 porcento do seu PIB, longe do teto de 3 porcento dos critérios do pacto de estabilidade e crescimento da União Europeia (UE).
No início das independências, o depósito de divisas exigido por França para cobrir a massa monetária do franco CFA era de 100 porcento. Foi reduzido para 65 porcento em 1973, e depois limitado a 50 porcento desde o mês de setembro de 2005. As reservas cambiais dos países da Zona do Franco alcançaram um nível excessivo.
Atualmente, segundo o Banco de França, a taxa de cobertura da emissão monetária do franco CFA ultrapassa 110 porcento, enquanto ela devia ser limitada a 20 porcento em conformidade, por um lado, com as normas internacionais admitidas na matéria, e, por outro, com os acordos assinados entre França e os países da Zona do Franco (Cf Relatório 2009 da Zona do Franco divulgado pelo Banco de França em outubro de 2010).
Por outro lado, a tendência geral dos bancos centrais é evitar cumular reservas excessivas, devido às perdas que causam. Na Zona do Franco, estas perdas provêm do custo da não utilização do excesso das reservas para financiar as despesas de equipamento ou reembolsar uma parte da dívida externa e reduzir assim os pagamentos de juros, bem como do custo do diferencial de rendimento entre a remuneração de 1,5 porcento oferecida por França e a mais alta dos instrumentos em que as reservas teriam sido investidas, e do custo dos défices gerados pela apreciação da moeda.
Toda a política de reserva do BCEAO e do BEAC resume-se, de facto, a um vasto subterfúgio que alimenta um mau negócio. Uma paridade fixa garantia de um franco CFA forte protege as companhias francesas (Bouygues, Areva, Total, Bolloré, Eiffage, Orange, BNP-Paribas, Société Générale, Air France, etc.) contra as depreciações monetárias correntes. A convertibilidade e a livre transferência lhes permitem exilar os lucros e as fortunas que acumulam.
Enquanto montantes colossais de divisas ganhas graças ao trabalho das populações são assim terceirizados arbitrariamente por França no financiamento do seu desenvolvimento, os países da Zona do Franco estão confrontados com défices estruturais crónicos e com graves dificuldades de pagamentos. As suas atividades económicas baseiam-se essencialmente na produção e na exportação de produtos básicos.
Nesta etapa primária do seu desenvolvimento, a lógica seria que adotassem uma política cambial baseada na não convertibilidade e na não transferibilidade do franco CFA, e numa taxa de câmbio flutuante e vantajosa, indexada não exclusivamente ao euro, mas a uma variedade de moedas escolhidas entre as dos seus principais parceiros comerciais.
Para o efeito, eles devem decretar um regime cambial que lhes dê o controlo de todas as operações de câmbio com o exterior. Esta restrição legal assegura-lhes uma gestão rigorosa de entradas e saídas de divisas, o que permite afetá-las com prioridade ao desenvolvimento dos setores-chaves da economia.
É a política monetária seguida em África por países como a África do Sul, a Nigéria, o Quénia, a Etiópia, Angola ou o Gana, que figuram todos agora no pelotão de frente do desenvolvimento em África. É também o caso de países emergentes como a China, a Índia, a Coreia, a Malásia, a Turquia ou o Brasil.
O gigante chinês, por exemplo, ao querer afastar os riscos consideráveis do seu crescimento económico por uma saída incontrolada de divisas, não autoriza a liberalização do seu mercado cambial, e a sua moeda, o renminbi, não é livremente convertível, nem livremente transferível.
A segunda razão das disfunções que afetam a Zona do Franco resulta do fracasso das políticas de integração económica com trocas intracomunitárias estranguladas pelas taxas aduaneiras que se cobram mutuamente.
O grande paradoxo do franco CFA é ser a moeda comum de países que não partilham um mercado comum. Para corrigí-lo, a UEMOA e a CEMAC foram criadas em 1994 depois da desvalorização do franco CFA. Os critérios de convergência que definiram para harmonizar as políticas de integração económica dos seus membros foram copiados dos do Tratado Europeu de Maastricht. Eles referem-se aos níveis autorizados em matéria de inflação, de dívida e défice orçamental.
O diferencial de desenvolvimento entre os países da União Europeia e os países da Zona do Franco deveria ter estimulado a UEMOA e a CEMAC a fazerem prova de mais criatividade e pragmatismo na seleção dos seus próprios critérios de convergência. No que diz respeito ao nível do défice autorizado, por exemplo, ela deveria exigir apenas, no lugar do equilíbrio do défice orçamental básico, o equilíbrio do saldo estrutural corrente, isto é, fora do investimento público; uma condicionalidade mais adaptada às realidades da UEMOA e da CEMAC e que seria mais fácil a cumprir.
Trata-se de autorizar défices para apoiar a atividade económica e para lançar as bases do futuro crescimento, com o endividamento dos Estados exclusivamente consagrado ao financiamento dos investimentos públicos.
Em todo caso, as dificuldades com que os países da Zona do Franco estão confrontados tornam ilusório o cumprimento dos critérios decretados, e o projeto de união económica continua avariado, agravando os seus desequilíbrios estruturais.
CEDEAO: Quadro ideal das reformas da política monetária
O franco CFA, portanto, encontra-se numa encruzilhada. Foi criado em tempo de exceção em França, por decreto assinado pelo General de Gaulle, a 25 de dezembro de 1945, para racionalizar a exploração das colónias francesas de África, agrupadas, na altura, em duas federações distintas, África Ocidental e África Central.
A abolição do franco CFA impunha-se, depois de França ter desmantelado as estruturas das suas colónias, quando elas acederam à independência. Nas mesmas circunstâncias, a Grã-Bretanha aboliu a «libra esterlina da África Ocidental», a moeda comum das suas colónias da Nigéria, do Gana, da Serra Leoa e da Gâmbia, quando estes países ascenderam à independência.
Em relação à péssima situação em que se encontram os países da Zona do Franco, depois de mais de meio século de independência, chegou a hora de tomar uma decisão por uma política independente, adaptada ao ciclo das economias da UEMOA e da CEMAC.
O melhor quadro para articular estas reformas na África Ocidental é a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que integra 15 países-membros (Nigéria, Gana, Côte-d’Ivoire, Senegal, Níger, Gâmbia, Guiné, Mali, Guiné Bissau, Libéria, Serra Leoa, Benin, Togo, Cabo Verde, Burkina-Faso), em conformidade com as diretivas da União Africana (UA).
Infelizmente, percebida por França como de inclinação anglófona, a CEDEAO sempre enfrentou, desde a sua criação, a concorrência da UEMOA e da CEMAC, duas organizações criadas pelos países da Zona do Franco na esperança pouco razoável de refrear a influência britânica, norte-americana e nigeriana naquilo que é percebido como uma coutada francesa.
Não é menos verdade que a CEDEAO continua a ser o quadro ideal para levar a cabo as políticas de convergência económica e financeira, com vista à adoção de uma Pauta Externa Comum (PEC) e à realização de uma união aduaneira, que são as premissas de uma integração económica bem sucedida, seguida de uma união política dos países da região. A boutade em voga nos meios intelectuais de Lagos é que existem duas grandes potências no seio da CEDEAO: a Nigéria e França. Que sem a boa vontade de França, não haverá salvação para a CEDEAO.
A presença cada vez mais consolidada na cena africana de atores como a China, a Índia, a Coreia, a Malásia, a Turquia e o Brasil deu aos países africanos uma plataforma de exportação acrescida, bem como a criação de um novo modelo de cooperação, baseado no comércio, no investimento e na transferência de tecnologia; o que alargou as suas opções de crescimento económico e deu-lhes uma maior margem de manobra e oportunidades significativas de progredir na via do desenvolvimento. É chegada a hora de os dirigentes da Zona do Franco inscreverem-se nesta nova dinâmica.
As multinacionais francesas são as primeiras beneficiárias do engodo que representam os mecanismos de funcionamento da Zona do Franco. As segundas beneficiárias são as elites africanas. O modo de funcionamento corrupto do sistema permite-lhes enriquecer-se com impunidade, graças às importações, e apropriar-se indevidamente dos fundos públicos que exportam com muita facilidade para França, mantendo ao mesmo tempo nos seus respetivos países um nível de vida extravagante, desproporcional à realidade no terreno.
Estes beneficiários obtêm lucros substanciais em detrimento das populações africanas cuja maioria vive na pobreza abjeta. Quanto ao Estado francês, é possível perguntar-se sobre a realidade dos benefícios que tira deste sistema.
Apesar do controlo quase total (político, diplomático, militar, económico e financeiro) que França exerce sobre a sua propriedade, o seu Exército teve de intervir mais de 40 vezes em solo africano, no espaço de meio século, para garantir a segurança das suas prebendas, manter no poder os seus protegidos ou ejetá-los conforme a sua vontade.
A situação económica de antigas potências coloniais como a Alemanha e a Grã-Bretanha, que se livraram dos seus ouropéis coloniais e pagam muito caro as suas importações de África, é bem melhor do que a de França. Em 2013, um relatório do Senado francês teve como título: «África é o nosso futuro».
Chineses, Indianos, Brasileiros, Coreanos, Malaios, Turcos, entre outros, conformaram-se com esta realidade e elaboraram estratégias que contribuíram para tirar países de África fora da zona de influência francesa. Está na hora de as elites dirigentes francesas e africanas tomarem em conta esta realidade.
Por Sanou MBAYE
Colaborador externo da PANA
-0- PANA SB/SSB/CJB/IZ 2014out2014