Agência Panafricana de Notícias

Criminalização do aborto no novo Código Penal angolano gera polémica

Luanda, Angola (PANA) - O partido no poder em Angola (MPLA) pediu calma aos cidadãos ante o celeuma provocado pela iminência da criminalização absoluta do aborto no novo Código Penal angolano cuja aprovação final está agendada para 23 de março corrente.

Segundo o presidente do Grupo Parlamentar do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), Virgílio de Fontes Pereira, a questão continuará a merecer a atenção do legislador e do Estado, pelo que desencorajou a continuação da polémica criada à volta do assunto.

Falando à imprensa, segunda-feira, no termo de uma reunião dos líderes dos grupos parlamentares sobre a preparação da sessão plenária de 23 de março, Fontes Pereira disse que o futuro Código Penal "tem uma posição muito clara" sobre a criminalização do aborto.

E por tratar-se de uma matéria fraturante, disse, mereceu uma discussão intensa ao nível dos Grupos Parlamentares, "mas o assunto não está encerrado".

Ele explicou que durante os debates no Parlamento sobre o documento, a tendência que prevaleceu nas discussões na especialidade foi no sentido de se retirar as exceções que existiam na versão inicial, relativamente aos casos em que é permitido o aborto, realçou.

"Entendeu-se que esta é uma matéria que pode ser retomada noutros termos, sendo que o princípio geral daquilo que é a política do Estado em relação ao aborto está consagrado no futuro Código", que vai substituir o de 1886, declarou.

Fontes próximas das discussões no Parlamento confirmaram que a questão do aborto foi a mais controversa durante os debates na especialidade, sobretudo em torno da manutenção ou não das normas que protegiam o direito a abortar em determinados casos.

As exceções à proibição do aborto contidas na versão inicial têm a ver com situações em que esteja em jogo a vida da mãe ou a sua integridade física ou ainda a viabilidade do feto.

Segundo o documento a que a PANA teve acesso a interrupção da gravidez não é punível quando, sendo realizada a pedido ou com o consentimento da mulher grávida, constituir o único meio de remover o perigo de morte ou de lesão grave e irreversível para a integridade física ou psíquica da mulher.

A existência de fortes razões para crer que o feto é inviável, ou para prever que o nascituro virá a sofrer de doença grave ou malformação incuráveis e o facto de a gravidez resultar de crime contra a liberdade e autodeterminação sexuais, nomeadamente a violação, constituiriam assim, também, razões suficientes para a aceitação do aborto, nos termos do texto inicial.

Por isso, a remoção dessas causas de exclusão de ilicitude na nova versão saída da discussão na especialidade passou a ser interpretada por muitos como um recuo em relação ao próprio Código Penal vigente que o novo texto pretende substituir.

Entre as vozes críticas a essa modificação está a jurista Ana Paula Godinho, advogada, docente universitária e membro da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito (CRJD), que, como mulher, diz sentir-se "humilhada" e adverte que as mulheres poderão sair à rua para protestar.

No seu entender, se o futuro Código for aprovado com essas modificações, as mulheres angolanas terão perdido muitas das suas conquistas num retrocesso de 200 anos.

Ela apelou a todas as deputadas angolanas para olharem "com olhos de ver para o que foi aprovado", lembrando que "o Código Penal de 1886 era mais favorável à mulher, sobretudo nos casos de violação e de má formação do feto (aborto eugénico)".

"Se uma mulher for violada e ficar grávida é obrigada a ter o filho, ou se interromper a gravidez arrisca-se a, no mínimo, ser condenada a cinco anos de prisão. Afinal é violada duas vezes: primeiro pelo violador e depois pela lei", escreve a advogada num breve comentário postado na sua conta Facebook.

-0- PANA IZ 14março2017