Cabo-verdianos pedem fiscalização de acordo militar com Estados Unidos
Praia, Cabo Verde (PANA) – O provedor de Justiça de Cabo Verde, António de Espírito Santo, confirmou que já deu entrada no Tribunal Constitucional (TC) a um pedido de fiscalização abstrata e sucessiva do Acordo SOFA (Status Of Forces Agreement, em sigla inglesa), assinado entre os governos do arquipélago e dos Estados Unidos.
A iniciativa do provedor de Justiça foi em resposta a uma petição feita por um grupo de 88 cidadãos cabo-verdianos em reação ao acordo militar assinado, em Setembro de 2017.
Os signatários da petição, residentes no país e na diáspora, colocaram um conjunto de questões relacionadas com a garantia do exercício de direitos assegurados aos cidadãos nacionais, às associações cívicas e entidades diversas.
Uma das preocupações indica que no direito de acesso à Justiça do país, pelos cidadãos nacionais, sempre que os seus direitos sejam violados, “não foi identificado” nenhuma cláusula do SOFA que assegure a proteção jurídica dos nacionais cabo-verdianos.
Por outro lado, questionam ainda, a permissão para a instalação, em qualquer ponto do território nacional, de base militar, seja esta de natureza provisória ou permanente, para armazenamento de material militar ou para treinos militares.
Este acordo militar, que permite a cooperação entre Cabo Verde e os EUA no combate ao tráfico ilícito, segurança marítima, fornecimento e assistência humanitária na região da África Ocidental, também já foi alvo de um outro pedido de fiscalização sucessiva pelo TC, por parte do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), maior força política da oposição.
Em declarações à imprensa, em dezembro do ano passado, a presidente do PAICV, Janira Hopffer Almada, disse que a bancada parlamentar do seu partido estava a cumprir aquilo que havia prometido aos Cabo-verdianos.
A promessa em causa dizia que, caso o Presidente da República ratificasse o referido acordo, o PAICV iria solicitar a fiscalização sucessiva de algumas normas constantes do documento.
A líder do maior partido da oposição precisou que há interesses públicos que devem ser preservados, nomeadamente a defesa nacional e a segurança interna, mas também o PAICV entende que “esta defesa tem que ser feita de forma proporcional, respeitando a lei-mãe (Constituição) do país”.
Segundo a presidente do PAICV, o seu partido “sempre teve dúvidas” em relação a algumas normas do SOFA que, segundo ela, “poderiam pôr em causa a Constituição da República”.
A 19 de setembro de 2018, o chefe de Estado, Jorge Carlos Fonseca, ratificou o citado acordo SOFA, um instrumento que estabelece o quadro legal de suporte à cooperação em matéria de defesa e segurança assinado entre Cabo Verde e os Estados Unidos.
Pronunciando-se sobre o Acordo SOFA, depois de o ter ratificado, Jorge Carlos Fonseca explicou que, enquanto Presidente da República, não vislumbrou qualquer matéria que lhe tivesse suscitado “fundadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade”.
“Mas devo realçar que uma coisa é o reconhecimento de que uma dada solução possa ser geradora de polémica e atrair múltiplas vozes dissonantes, coisa completamente diversa é a probabilidade de ela conflituar com normas constitucionais da República de Cabo Verde”, apontou.
Janira Hopffer Almada recordou, a propósito, que o seu partido já tinha tornado público que, caso o Presidente da República não pedisse a fiscalização preventiva, “já que só ele tinha esta prerrogativa”, iria solicitar ao TC a fiscalização sucessiva do acordo.
“Entendemos que de nenhuma forma pode ser equacionada a possibilidade da instalação de uma eventual base militar em Cabo Verde, porque a Constituição [da República] não permite”, indicou, acrescentando que, igualmente, “deve ser preservado” o direito à dignidade e igualdade dos cidadãos.
De acordo com Janira Hopffer Almada, o PAICV defende que se deve garantir aos Cabo-verdianos o acesso à Justiça, “um direito fundamental que está consagrado na Constituição”.
“Estaremos a aguardar o pronunciamento do Tribunal Constitucional (TC) com serenidade, mas com profunda responsabilidade e convicção na nossa posição”, sublinhou.
Ela lembrou que o SOFA foi negociado pelo Governo do seu partido durante “vários anos e não o assinou porque tinha parecer de um reputado jurista que confirmava a perspectiva de inconstitucionalidade e algumas normas”.
“Não somos contra o acordo [SOFA], mas entendemos que nenhum acordo pode ir contra a Constituição da República”, assegurou a líder do PAICV.
O acordo SOFA foi aprovado pelo Parlamento cabo-verdiano, em junho de 2018, com os votos favoráveis do grupo parlamentar do Movimento para a Democracia (MpD, maioria parlamentar) e abstenções do PAICV e dos deputados da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID, partido na oposição com três assentos na Assembleia Nacional.
Na ocasião, o Governo e o partido que o suporta no parlamento (MpD) congratularam-se com a decisão do chefe de Estado, dizendo que a ratificação do acordo SOFA “trará ganhos a nível da economia, defesa e de segurança, pelo que não se deve estar “permanentemente a colocar entraves no desenvolvimento do país.”
-0- PANA CS/IZ 10março2019