CNE responsabiliza imprensa pública por cancelar debate eleitoral em Cabo Verde
Praia, Cabo Verde (PANA) - A Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Cabo Verde responsabilizou, segunda-feira, a rádio e a televisão públicas pelo cancelamento dum debate previsto para domingo último, entre líderes dos três maiores partidos políticos do arquipélago.
O debate em causa era alusivo às eleições legislativas de 18 de abril corrente, no país.
Numa conferência de imprensa realizada, na cidade da Praia, a CNE clarificou que a realização de debates entre os partidos concorrentes às eleições não constitui uma iniciativa nem uma imposição suas.
Mas se trata da iniciativa destes órgãos (de comunicação social) que se enquadra na liberdade de imprensa, segundo critérios jornalísticos.
A CNE considerou que se se realizasse o debate, em plena campanha eleitoral, os órgãos de comunicação social públicos deveriam garantir um tratamento igual a todos os partidos concorrentes, por força do princípio da igualdade de tratamento de todas as candidaturas.
A porta-voz da CNE, Cristina Nobre Leite, disse que decisão da sua instituição se baseou no quadro legal vigente e que da mesma não resulta a proibição da realização de debate ou de cancelamento, e “muito menos qualquer imposição no formato da sua realização, tendo em vista a garantia da igualdade de tratamento e de oportunidade a todas as candidaturas".
“A decisão do respetivo cancelamento é da inteira responsabilidade dos OCS (Órgãos da Comunicação Social) públicos que, conforme o respetivo comunicado de cancelamento, informaram que, na condição de terem de respeitar o princípio da igualdade de tratamento a todas as candidaturas, decidiram não realizar o debate”, afirmou.
Sobre o primeiro debate, Cristina Leite informou que a CNE recebeu duas queixas contra a Televisão de Cabo Verde (TCV) e a Rádio de Cabo Verde (RCV), apresentadas pelos partidos PTS e PSD.
Sem assento parlamentar, as duas formações políticas apresentam candidaturas em todos os círculos eleitorais, mesmo excluídos da corrida legislativa.
A 05 de abril corrente, a administração da RTC, através de correio eletrónico, solicitou um pronunciamento da CNE sobre o debate dos líderes concorrentes em todos os círculos eleitorais.
No dia seguinte, a CNE recebeu da Autoridade Reguladora da Comunicação Social (ARC) uma queixa do PTS contra a TCV, relativa ao regulamento de debates eleitorais.
O partido insurgia-se contra a realização do debate do dia 11 de abril, por este ser agendado para dentro do período da campanha eleitoral e sem a participação de todos os partidos políticos concorrentes.
“A deliberação n.º 80 recaiu sobre uma queixa concreta apresentada pelo PTS e remetida à CNE pela ARC. A queixa foi objeto de análise e de decisão no plenário da CNE de 07 de abril, sendo que todos os partidos foram convocados para esta reunião”, precisou.
A 10 de abril corrente, as direções da TCV e RCV, em comunicado conjunto, explicaram que a decisão do cancelamento se devia à deliberação da CNE que exigia a presença de todas as forças políticas no programa.
Além de discordarem da decisão da CNE, ambas direções informaram que a resolução chegou num momento em que já não era possível qualquer alteração ao que estava inicialmente planeado, tendo decidido não realizar o debate.
O cancelamento daquele que seria o derradeiro debate entre lideres das três maiores formações politicas do país, antes do escrutínio do próximo domingo, levou tanto o PAICV (oposição) como o MpD (atual maioria) a manifestarem a sua indignação pela decisão tomada pela RCV e TCV com base na recomendação da CNE.
Através de um comunicado, o PAICV admitiu ter sido apanhado de surpresa por esta decisão que, afirma, "choca claramente os valores e propósitos da democracia que pretendemos construir nestas ilhas."
“Em todas as democracias consolidadas os debates entre os principais concorrentes são fundamentais para esclarecerem os eleitores e contribuírem para uma decisão consciente no momento da escolha daqueles que deverão conduzir os destinos do país”, disse.
Referiu-se às eleições de 2001 quando, por decisão do Governo do MPD, a Televisão Nacional deixou de cobrir as campanhas eleitorais, numa manobra para impedir que os Cabo-verdianos tivessem acesso a informações que, a essa altura, demonstravam a dinâmica do PAICV.
Coincidência ou não, prossegue, este cancelamento acontece no momento em que se regista, no terreno, um claro crescimento de apoio às propostas e à candidatura do PAICV, em detrimento do MPD que, apesar dos avultados meios investidos, com ostentação que fere à dignidade das pessoas, passa por grandes dificuldades para ter acesso a rendimentos e garantir os meios básicos para sustentar as suas famílias.
“Tudo indica que o cancelamento deste debate é muito conveniente para o MpD que tenta, a todo o custo, esconder as fragilidades de Ulisses Correia e Silva (primeiro-ministro) para justificar o incumprimento das suas promessas anteriores e as dificuldades de apresentar propostas refogadas e que já não convencem ninguém”, considerou PAICV.
Por sua vez, o MpD diz também ter recebido com surpresa e indignação o cancelamento do debate.
“A decisão da CNE que levou ao cancelamento do debate pela TCV e RTC não contribui para dignificar a liberdade de imprensa nem a independência editorial por que sempre pautou a nossa democracia”, lê-se no comunicado do partido suporta o Governo.
O MpD disse ainda ter planeado antecipadamente toda a agenda do seu candidato para permitir que os dias de ontem, sábado, e hoje (domingo) fossem dedicados inteiramente à preparação para este encontro que, afinal, disse, não irá acontecer.
Ainda segundo a nota, este tempo perdido, infelizmente, não poderá ser recuperado, com o agravante de se estar na última semana de campanha e com pouca margem para deslocações e compromissos.
“Defendemos que este debate deve acontecer em nome de uma maior clarificação de propostas entre as candidaturas e em honra ao bom nome da nossa democracia”, frisou.
Já a UCID, o terceiro partido cujo líder devia participara no debate, decidiu interpôr um recurso junto do Tribunal Constitucional, recordando que “os três debates promovidos pela RTC foram alvo de consenso entre todos os partidos políticos que concorrem a estas eleições e que todos assinaram que haveria debates nos dias 21 e 28 de março e 4 de abril. Como este último seria no dia da Páscoa, por respeito aos cristãos, adiou-se para 11 de abril."
No primeiro, participariam todas as forças concorrentes, no segundo apenas os partidos que participam em alguns círculos e, hoje, somente os partidos ou forças concorrentes que se apresentam em todos os círculos eleitorais, acrescentou.
Por isso mesmo a UCID diz não entender o teor da deliberação da CNE, que veio agora dizer que o debate de 11 de abril, por ser dentro do período de campanha eleitoral, deve respeitar o princípio de igualdade de tratamento a todas as candidaturas concorrentes.
-0- PANA CS/DD 13abr2021