Angola desdramatiza polémica sobre artigo 333.º do Código Penal
Luanda, Angola (PANA) – As autoridades angolanas desdramatizaram a polémica levantada em torno do artigo 333.º do novo Código Penal Angolano (CPA), amplamente criticado como uma ameaça à liberdade de expressão por punir o ultraje ao Presidente da República.
Numa entrevista à Televisão Pública de Angola (TPA), o ministro angolano da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, atribuiu tais preocupações à má interpretação da lei.
Segundo o governante, tem havido má interpretação de normas, porque a leitura de certos crimes é feita de forma isolada sem ter em conta a parte geral, que define o tipo de infrações e os fatores que afastam a culpa.
Como resultado, disse, criou-se a falsa impressão de que o artigo em causa tenha sido colocado de propósito no novo Código, para impedir as pessoas de criticar, quando, na verdade, “esta norma não é de hoje, mas já vem de longe”.
O artigo 333.º do novo CPA diz que “quem, publicamente, e com o intuito de ofender, ultrajar por palavras, imagens, escritos, desenhos ou sons (...) o Presidente da República, ou qualquer outro órgão de soberania é punido com pena de prisão de seis meses a três anos ou multa de 60 a 360 dias”.
Francisco Queiroz entende serem injustificados os receios de ameaça ao direito à liberdade de expressão e informação, através desta norma, que “tem um histórico de proteger o bom nome, a honra e a dignidade das pessoas”.
Trata-se, segundo ele, de uma proteção referida a todos os cidadãos, em geral, pois todas as pessoas têm direito ao bom nome e à dignidade, sendo agora essa proteção mais reforçada com a agravação da pena, em se tratando de órgãos de soberania.
A este propósito, explicou que o Presidente da República é um cidadão, mas protegido como um dos símbolos nacionais e de unidade nacional, sendo que estes, quando não preservados como símbolos de união, “passam a ser um factor de conflito”.
A sua proteção é uma necessidade de proteção da nação, não só por questões de natureza jurídica, mas também por razões de ordem psicológica, esclareceu.
Mesmo assim, ressalvou, “nada impede que sejamos críticos (ao Presidente da República). Pelo contrário, isso faz parte do nosso dever de cidadania (…), mas há que ter em conta as regras”.
O ministro alertou ainda que os limites impostos pelas regras a ter em conta fazem com que a crítica, quando feita com a intenção de ofender ou de denegrir, se transforme em calúnia ou difamação.
Contrariamente aos receios alimentados por alguns juristas e outros fazedores de opinião, o CPA, que entra em vigor em fevereiro próximo, não proíbe a divulgação de caricaturas, insistiu.
Observou que ser cartoonista com sentido crítico é um exercício ”bastante útil e cívico”, sendo a caricatura uma forma artística de comunicação ou expressão que “não é proibida”, enquanto não extravasar os limites da proteção da honra e da boa reputação alheias.
Esta visão é reforçada pelo vice-procurador-geral da República, Mota Liz, que também se manifestou surpreendido com a polémica, uma vez que, segundo ele, a norma em causa “já existe há cerca de 10 anos”.
“Não compreendo a razão de tanto alarido. Esta norma existe há 10 anos (…), desde a sua entrada em vigor, em 2010, por via da Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, a Lei 23/10” da qual foi “repescada” para o novo Código Penal, rematou.
Em declarações à Rádio Nacional de Angola (RNA), o magistrado clarificou que esta norma tem uma “relação intrínseca” com a defesa da honra e da dignidade das pessoas.
Mota Liz recordou que este tipo de norma existe também em vários outros países, incluindo Portugal, cujo Código Penal tem igualmente um preceito semelhante que defende a honra do Presidente da República.
No seu entender, pretendeu-se dar uma proteção especial à figura do Presidente, que, embora a sua honra seja pessoal, precisa de uma maior proteção contra os crimes de injúria, difamação e calúnia, para que a sua função, essencial à realização do Estado de Direito, “esteja mais ou menos preservada”.
Mota Liz reconheceu contudo que esta solução, que não é exclusiva de Angola, “levanta alguma polémica mesmo entre os pensadores do Direito Penal”, havendo quem considere excessiva a proteção.
Mesmo assim, ele entende que o erro das pessoas que vão criando “uma espécie de hipocondria à volta disso” é não perceberem que esta proteção também encontra limites na realização de outros direitos, nomeadamente no direito à liberdade de imprensa, à crítica.
“Não pressupõe (…) que não se façam caricaturas, desde que se façam críticas à atuação do órgão de soberania e do Presidente da República, não está fechado à crítica.
“O que se quer aqui é que esta crítica seja objetiva e seja ela manifestada em expressões, publicações, escritos, em cartoons, é preciso que ela seja objetiva e se reflita em factos, atuações, procedimentos, do Presidente da República ou qualquer órgão de soberania”, frisou.
Lembrou que, desde 2010 , que a norma vigora, ninguém foi preso por fazer um cartoon ou uma sátira, tanto contra o atual Presidente, João Lourenço, como contra o anterior, José Eduardo dos Santos.
Aprovado pela Assembleia Nacional, em 04 de novembro corrente, e promulgado pelo Presidente da República, dois dias depois, o novo Código Penal Angolano deve entrar em vigor em fevereiro de 2021.
Foi publicado em Diário da República, no dia 11 do mesmo mês, coincidindo com o 45.° aniversário da Independência nacional, proclamada em 1975.
-0- PANA IZ 19nov2020