Ambientalista alerta para desmembramento total de áreas protegidas em Cabo Verde
Praia, Cabo Verde (PANA) – Nos últimos quatro anos, tem-se registado um “desmembramento total” das áreas protegidas em Cabo Verde, alertou um professor de Zoologia da Universidade de Barcelona (Espanha), Jacob Gonzalez Solis.
Em entrevista segunda-feira à agencia cabo-verdiana de noticias (Inforpress), Solis, aponta como exemplo o desmembramento das áreas protegidas, nomeadamente o Parque Natural do Fogo (PNF).
O especialista, que há mais de 10 anos, trabalha em Cabo Verde em colaboração com autoridades ligadas ao setor de ambiente, considerou que todos os aspetos relacionados com o meio ambiente estão a “piorar” no país.
Especialista na conservação das espécies endémicas de Cabo Verde, nomeadamente Gongon (ave marinha), recorda que o PNF, quando tinha como coordenador o atual diretor nacional do Ambiente, dispunha de um biólogo para o seguimento ecológico, um sociólogo, um administrador, um motorista e uma sede social em Chã das Caldeiras e na cidade de São Filipe.
No entanto, segundo ele, desde a saída do anterior coordenador para assumir a Direção Nacional do Ambiente, o PNF deixou de ter o diretor e o biólogo e passou a desempenhar esta função, mas sem nomeação.
"O sociólogo não foi substituído, passando o parque natural a depender da delegação do ministério da Agricultura e Ambiente", lamentou.
“A decisão de colocar todas as estruturas dos parques debaixo da direção das delegações foi um erro e agora o parque não tem ninguém e o Governo não está a fazer nada”, indignou-se.
Solis sublinhou que o que está a acontecer no Fogo é o mesmo que acontece nos outros parques naturais, como o de Santo Antão, cujos últimos técnicos foram embora, e o da Serra Malagueta, na ilha de Santiago, que tinha cinco técnicos e que atualmente só tem dois mas sem diretor.
Segundo o este especialistas ambiental, todas as estruturas dos parques são inexistentes e é um “autêntico desastre”.
Muitas pessoas que, como ele, conheciam o atual diretor nacional do Ambiente tinham esperanças na melhoria do meio ambiente, porque, enquanto coordenador do PNF, reclamava de falta de condições para o parque do Fogo, o maior de Cabo Verde e com muito potencial turístico, seguramente muito superior aos demais parques, acrescentou.
Mas “as coisas estão a piorar”, advertiu Jacob Gonzalez Solis, salientando que, em Chã das Caldeiras, localidade situada no meio da área protegida e onde não se podia fazer qualquer coisa que pudesse por em causa as suas características.
"Como é possível construir uma estrada nova no meio de lavas resultantes da erupção vulcânica de 2014", interrogou-se.
No seu entender, esta infraestrutura rodoviária destruiu o valor geológico de uma erupção, ao extrair todos os inertes no coração do parque, numa altura correspondente a três pisos.
Denunciou também a construção no local de 15 pedreiras para extração de pedras para a construção de estradas sem nenhum estudo de impacto ambiental que, a seu ver, é obrigatório.
“Estou dececionado com a gestão da Direção Nacional do Ambiente porque as coisas estão a piorar”, desabafou o ambientalista, avançando que, se o diretor do Ambiente “não pode fazer as coisas que gostaria de fazer, deve deixar o cargo porque os 100 dias de graça passaram há muito tempo."
Para Jacob Solis, o mesmo está a acontecer com a proteção dos Ilhéus, situados nas imediações das ilhas do Fogo e da Brava.
A este propósito, ele apontou como exemplo o facto do Ilhéu Grande até dispor de uma casa onde pescadores permanecem durante uma semana, e do Ilhéu de Cima, onde constantemente estão a entrar pescadores que ficam o tempo que quiserem a pescar ilegalmente.
Ninguém está a fazer nada porque a Direção Nacional do Ambiente não tem nenhuma autoridade, denunciou.
“Os ilhéus estão desprotegidos, não há proteção real, e os pescadores podem introduzir espécies invasoras, como ratazanas que podem acabar com todas as aves marinhas que se reproduzem nesta área, caminham e passam por qualquer lugar das praias danificando muitos ninhos (de aves endémicas), nomeadamente do Pedreiro Azul, uma espécie que está atualmente a reproduzir-se”, reclamou.
O ambientalista indicou que existe um problema de fiscalização e de falta de vontade para controlar a entrada ilegal dos pescadores nesta área integral, aonde ninguém pode deslocar-se sem autorização prévia da Direção Nacional do Ambiente que, no entanto, a seu ver, não está a importar-se com os riscos que isso representa para as espécies de aves marinhas.
“Com o desmantelamento das áreas protegidas, deixamos de ter o apoio institucional e agora, felizmente, os trabalhos que estávamos a fazer com o Parque Natural, muitos deles estão a ser feitos com o Projeto Vitó, porque, ao mesmo tempo, o Parque desapareceu, e o Projeto Vitó cresceu”, desabafou.
Contudo, sublinhou que este ultimo projeto não depende nem tem a obrigação de apoiar como o PNF que dependia da Direção Nacional do Ambiente.
Os parques naturais em Cabo Verde são espaços que apresentam um ou vários ecossistemas, geralmente transformados ou não pela exploração e ocupação humanas, onde espécies vegetais e animais, zonas geomorfológicas e seus habitats se evidenciam pelo seu interesse especial do ponto de vista científico, socioeconómico, educativo e recreativo, ou onde existe uma paisagem natural de notável valor estético, concluiu.
-0- PANA CS/DD 24março2020