Advogado cabo-verdiano detido por faltar ao seu julgamento
Praia, Cabo Verde (PANA) - O advogado cabo-verdiano Amadeu Fortes Oliveira, um forte crítico do sistema de justiça e dos juízes, em Cabo Verde, está detido desde sábado, 20, por ter alegadamente faltado ao seu julgamento, sem justificar a ausência, apurou a PANA segunda-feira de fonte judicial.
Em comunicado, o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) cabo-verdiano esclarece que a detenção desse ativista não se deveu às muitas denúncias que Amadeu Oliveira vem fazendo sobre a atuação de juízes, incluindo os do Supremo Tribunal da justiça.
A instituição reconhece que a prisão de Amadeu Fortes Oliveira "suscitou muitas reações nas redes sociais e que são suscetíveis de confundir a opinião pública".
"Em primeiro lugar é falso que o arguido Amadeu Fortes Oliveira tenha sido detido por causa das denúncias que fez em relação aos juízes", garante o CSMJ.
Acrescenta que, "na verdade, o arguido foi detido porque não apenas anunciou publicamente que não ia comparecer no dia do julgamento para o qual foi devidamente notificado, como, efetivamente, não compareceu no dia, hora e local designados para o julgamento".
Recorda que o Código de Processo Penal permite ao juiz ordenar a detenção, pelo tempo indispensável à realização da diligência, "de toda a pessoa devidamente notificada que voluntariamente não comparecer no dia, hora e local designados e nem justificar a sua falta no prazo de cinco dias".
Porque Amadeu Oliveira "não compareceu voluntariamente, nem apresentou no prazo legal qualquer justificação válida para a ausência e como forma de assegurar a sua presença no julgamento, foi ordenada a sua detenção", esclarece o comunicado.
"Cumpre frisar que este é o procedimento adotado em todos os processos em relação a qualquer arguido que não compareça voluntariamente, e não há razões para ser diferente neste caso", sublinha ainda.
No entanto, a Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV) condenou a forma como o processo de detenção do advogado Amadeu Oliveira vem sendo conduzido e exorta as autoridades a cumprirem a lei.
Num comunicado publicado domingo na sua página oficial da rede social facebook, a ordem adianta que só tomou conhecimento da detenção do advogado, que é membro, pelas redes sociais.
A OACV lembra que a lei determina que a detenção ou prisão de um advogado deve ser comunicada imediatamente à Ordem pela entidade que a ordenou, executou ou validou, indicando-se os motivos que a determinaram e o local em que aquele advogado se encontra.
“A Ordem dos Advogados reitera a importância do respeito pela Lei, para concretização do Estado de Direito e defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e dos Advogados em especial”, refere o comunicado.
A nota cita nomeadamente a Lei n° 91/VI/2006 de 09 de janeiro, que aprovou o estatuto da Ordem e que, no seu artigo 168º, estabelece as garantias do advogado em casos de detenção, prisão ou captura.
Também a advogada de Amadeu Oliveira, Zuleica Cruz, considera “ilegal e desproporcional” a detenção do seu colega e cliente, já que, disse, o mesmo já se tinha manifestado no sentido de colaborar com a justiça.
Há vários anos que Amadeu Oliveira denuncia publicamente alegados casos de fraudes e manipulação de processos judiciais, visando juízes.
Numa intervenção no debate sobre a situação da justiça, em 29 de outubro, a deputada do Movimento para a Democracia (MpD, no poder), Mircéa Delgado, denunciou "conflitos entre cidadãos identificados e alguns juízes", e fez referência a textos publicados na imprensa cabo-verdiana pelo advogado e ativista Amadeu Oliveira contra determinados magistrados.
Mircéa Delgado lembrou que todas as denúncias já valeram muitos processos-crime a Amadeu Oliveira, mas sem que nenhum tenha conhecido um julgamento ou decisão de condenação.
As declarações da deputada mereceram resposta do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que denunciou um "plano bem urdido" para denegrir a reputação pessoal e profissional dos magistrados e boicotou a sua presença em atos oficiais enquanto se mantiver o clima de hostilidade institucional.
Num artigo de opinião publicado nos jornais cabo-verdianos, a presidente do STJ, Maria de Fátima Coronel, indicou que as denúncias contra magistrados judiciais foram investigadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e que foi aberto inquérito a cada uma delas.
-0- PANA CS/IZ 22fev2021