Criticas de deputada leva juízes a boicotar cerimónias oficiais em Cabo Verde
Praia, Cabo Verde (PANA) – Os cinco juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de Cabo Verde decidiram boicotar as cerimónias oficiais, no país, em protesto contra críticas feitas, há cerca de um mês no Parlamento, por uma deputada do partido no poder.
Os magistrados prometeram manter a sua decisão, enquanto se mantiver o clima, que qualificam de “hostilidade e desconsideração institucional à dignidade do poder judicial".
As críticas em causa foram feitas pela deputada Mircea Delgado, do Movimento para a Democracia (MpD, no poder), que apontou para alegados casos de corrupção no sistema judiciário, em Cabo Verde.
A decisão do coletivo da mais alta instância da administração da Justiça, no país, foi tornada pública numa declaração lida pelo juiz conselheiro Benfeito Mosso Ramos.
“Enquanto se mantiver, em Cabo Verde, o clima de hostilidade institucional e de desconsideração à dignidade do poder judicial e dos seus titulares, não estarão reunidas as condições para a presença dos juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça em qualquer ato ou solenidade a que devam comparecer por cortesia institucional”, disse.
Os juízes dizem que críticas aos problemas do poder judicial são legítimas, mas consideram grave o teor das declarações da deputada Mircea Delgado, num debate sobre o Estado da Justiça, em Cabo Verde, na Assembleia Nacional, a 29 de outubro.
“No caso em referência, o mandato parlamentar foi utilizado para emprestar a chancela oficial àquilo que hoje já ninguém duvida", retorquiu o juiz conselheiro do STJ.
Segundo Ramos, trata-se de "um bem urdido plano para denegrir a reputação pessoal e profissional de magistrados como forma de retaliação das suas decisões, objetivo que jamais podia encontrar conforto em quem é titular de um órgão de soberania, e em sede de um órgão de soberania, como é a Assembleia Nacional”.
Os juízes dizem não ter o conhecimento de qualquer demarcação em relação às declarações da deputada, o que os leva a presumir que tal silêncio é a prova da condescendência das instituições políticas.
“O mais grave ainda, passados que são 27 dias, não se tem o conhecimento de qualquer demarcação em relação a essa afronta à dignidade do poder judicial, o que, de acordo com o aforismo “quem cala, consente”, leva a presumir que a intervenção dessa deputada acabou por merecer a aprovação de quem, por razões de princípio e/ou pelas suas responsabilidades constitucionais, não pode transigir com tal situação”, acrescenta a declaração.
Os juízes do STJ dizem não estar surpresos por esta atitude, tendo em conta os ataques à justiça e aos magistrados por parte daqueles quem dizem estar acima da Lei, e amparados das instâncias políticas do país.
A 29 de outubro passado, durante o debate sobre a situação da justiça, em Cabo Verde, a deputada Mircéa Delgado fez referência a conflitos entre cidadãos identificados e alguns juízes, tendo por base, alegadamente, denúncias publicadas na imprensa nacional pelo advogado Amadeu Oliveira contra determinados magistrados.
Numa reação à posição dos juízes do STJ, a deputada Mircéa Delgado considerou-a como uma narrativa que pode servir “outro propósito”, menos contribuir para a credibilização do poder judicial cabo-verdiano.
A parlamentar do MpD disse que mantém a sua posição sobre tudo aquilo que vem dizendo em relação ao assunto e que não vai afastar-se "um só milimetro" do discurso que proferiu na Assembleia Nacional.
“A minha intervenção sobre a situação da justiça na Assembleia Nacional encontra-se registada, na íntegra, em vídeo (imagem e som), tendo sido amplamente divulgada na comunicação social e nas redes sociais, estando, por isso, disponível a qualquer cidadão.
"Assim, só posso entender toda a movimentação criada à volta desse meu discurso por parte da presidente do Supremo Tribunal de Justiça, bem como da presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e dos outros Juízes do Supremo, como uma desajeitada tentativa de manipulação dos factos visando objetivos difíceis de descortinar, pelo menos da minha parte”, frisa a deputada.
Mircea Delgado diz-se cada vez mais convencida de que, com as suas declarações, continuou a cumprir o seu papel no Parlamento.
-0- PANA CS/IZ 27nov2020