Cabo Verde declara inconstitucional artigo de acordo de defesa com Estados Unidos
Praia, Cabo Verde (PANA) - O Tribunal Constitucional (TC) de Cabo Verde declarou a inconstitucionalidade de um artigo do acordo de defesa e segurança assinado com os Estados Unidos, dando poderes de decisão às forças norte-americanas sobre os crimes praticados por seus militares durante a sua permanência no país.
O tratado em causa, conhecido como Acordo de Estatuto de Forças ('Status Of Forces Agreement', SOFA, na sigla em inglês), foi assinado pelos dois Estados, em 25 de setembro de 2017, e aprovado em 29 de junho de 2019, no Parlamento cabo-verdiano.
A PANA apurou, na cidade da Praia, que a fiscalização da constitucionalidade de algumas das normas do acordo solicitada por 27 deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, a oposição), em outubro do ano passado, por manifestarem dúvidas sobre o documento, com realce para o artigo que acaba de ser declarado inconstitucional pelo TC.
Na altura, a presidente do maior partido da oposição cabo-verdiana, Janira Hopffer Almada, disse que, apesar de a bancada parlamentar do PAICV ter-se abstido na votação que aprovou o SOFA, no Parlamento, havia normas no acordo que podiam “pôr em causa a Constituição da República” de Cabo Verde.
No ponto quatro do acórdão publicado, quarta-feira, na sua página oficial na Internet, o TC considera que o artigo “permite o exercício de poderes tipicamente jurisdicionais sobre o seu pessoal em território cabo-verdiano por crimes praticados durante a estadia dessas forças no arquipélago por violação do princípio da soberania nacional”.
O Tribunal entendeu que existe aqui uma “violação do princípio da soberania nacional, quando Cabo Verde autoriza os Estados Unidos a exercerem jurisdição penal no território nacional em relação ao seu pessoal”.
No entanto, as outras normas do acordo “não foram declaradas inconstitucionais” pelo TC.
O acordo foi ratificado, em setembro do ano passado, pelo Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que disse não ter vislumbrado no SOFA "qualquer matéria" que lhe tenha "suscitado fundadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade" .
No entanto, ele fez questão de referir que o acordo é "suscetível de ser sempre criteriosamente reavaliado na sua execução".
Na altura, o Governo cabo-verdiano congratulou-se com a ratificação, adiantando que se revê "integralmente nos fundamentos apresentados, bem como nos princípios políticos e sociais".
"A matéria de defesa e segurança é um tema socialmente reconhecido como essencial para o povo cabo-verdiano. E com o acordo SOFA, o Governo garante aos Cabo-verdianos um país com mais segurança, com mais defesa, com mais apoio humanitário", considerou o Executivo.
O Governo liderado por Ulisses Correia e Silva considerou ainda que o acordo reforça o combate ao tráfico ilícito, particularmente na zona marítima do país, e aprofunda as relações com os Estados Unidos.
O documento estabelece um quadro de parceria e cooperação aplicável ao pessoal e aos contratantes dos Estados Unidos que estejam temporariamente, em Cabo Verde, no âmbito de visitas de navios, formação, exercício, atividades humanas e outras.
Prevê ainda para estes cidadãos os mesmo privilégios, isenções e imunidades que são concedidos ao pessoal administrativo e técnico das missões diplomáticas e estipula a renúncia a "quaisquer demandas" em caso de danos, perda ou destruição de propriedade, lesão ou morte de pessoal das forças armadas ou civil no desempenho das funções oficiais.
Porém, desde que Jorge Carlos Fonseca promulgou o documento, várias vozes críticas opunham-se ao acordo, nomeadamente da sociedade civil, dos partidos da oposição (PAICV, UCID, PP) e do constitucionalista Wladimir Brito, tido como o pai da Constituição de Cabo Verde, em vigor.
Tudo por considerarem dispor de clausulas inconstitucionais, nomeadamente a que estabelece que o soldado norte-americano instalado no país não pode ser preso por autoridades cabo-verdianas, mesmo cometendo crimes graves contra titulares de órgãos da soberania.
-0- PANA CS/IZ 09julho2020